Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A bancada da jogatina
>>Guerra sem tiros

A bancada da jogatina

De olho no noticiário mais ruidoso, o leitor vai sendo informado, ou desinformado, em pílulas e notas curtas, sobre iniciativas do Congresso Nacional que, da noite para o dia, podem surpreender sua rotina.

A maioria da sociedade provavelmente ignora, por exemplo, que um projeto de liberação do jogo transita célere e sem restrições na Câmara dos Deputados. Apesar de o presidente da República ter declarado mais de uma vez ser contra a permissão para funcionamento de bingos e máquinas de jogo, não se conhece o pensamento de sua sucessora sobre a questão.

Enquanto isso, segundo a Folha de S.Paulo noticiou na quarta-feira, a bancada governista na Câmara apresenta proposta para votar, ainda este ano, projeto que legaliza os jogos de azar.
 
O parlamentar mais empenhado em fazer passar a lei é o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), o que escancara uma contradição entre a bancada e o presidente da República.

De acordo com o jornal paulista, os outros partidos aceitariam aprovar projetos de interesse dos Estados, como a Lei Kandir e a emenda constitucional do fundo da pobreza, em troca da liberação do jogo. 

Os defensores da abertura dos bingos, entre os quais se destacam representantes dos partidos menores e ideologicamente pouco definidos, como o PDT e o PTB, usam o velho argumento de que a reabertura dos bingos poderá gerar 250 mil empregos diretos e indiretos em todo o País, e uma arrecadação anual de impostos de R$ 7 bilhões.

Não custa lembrar uma frase do economista Ignacy Sachs: “um dos esportes prediletos dos brasileiros é chutar indicadores de geração indireta de empregos”.

Quanto à arrecadação de impostos, é para rir, dada a natureza de tais “empreendedores”.
 
Também é conveniente considerar que outras atividades criminosas ou de contravenção, como o tráfico de drogas e a exploração da prostituição, geram muitos empregos diretos e indiretos.

Só de seguranças armados e fogueteiros, encarregados de alertar sobre a chegada da polícia, o narcotráfico tinha mais de mil “empregados” diretos no Complexo do Alemão, fora os empregos indiretos que sempre gerou, até mesmo em países vizinhos.

O apressamento na votação do projeto de abertura dos bingos, patrocinada pelo líder do governo na Câmara, é claramente uma forma de fazer passar uma decisão legislativa longe da opinião pública, o que pode acontecer somente porque a imprensa está olhando para outro lado.
 
Guerra sem tiros

Nesta quinta-feira, o Estado de S.Paulo informa, também em nota curta, que a Polícia Federal prendeu uma quadrilha que explorava vinte mil máquinas caça-níqueis na Bahia.

O faturamento do grupo, segundo a polícia, chegava a R$ 50 milhões por ano.

Há menos de dois meses, a polícia paulista prendeu, e depois liberou, um suposto empresário, em cujo nome havia dezenas de postos de gasolina, também envolvido com jogo clandestino, que é acusado de aplicar dinheiro da organização criminosa chamada Primeiro Comando da Capital.

O acusado circula livremente e toca seus “negócios” na área de Taboão da Serra e Embu, região metropolitana de São Paulo, onde se sabe que tem sócios, entre eles vereadores e outras autoridades.

O “empresário” foi candidato a deputado federal nas últimas eleições.
 
Esse cenário de negócios obscuros que escondem a lavagem de dinheiro do crime mais pesado tem fortes relações com o negócio do jogo, que o deputado Vaccarezza pretende legalizar.

Não foram poucas as famílias vitimadas pelo vício, estimulado pela profusão de máquinas que havia em bares da periferia das grandes cidades, no período em que o bingo eletrônico funcionou livremente.

Os “empresários” do setor costumam instalar em seus equipamentos chips programados para roubar os apostadores.

Além disso, usam a estratégia de colocar apostadores profissionais, que em determinados momentos do dia “ganham” algum dinheiro numa das máquinas, criando a ilusão de que tudo depende da sorte.
 
A legalização de tais negócios certamente vai facilitar a lavagem de dinheiro ilegal, o que inclui o “caixa 2” de campanhas eleitorais.

Nunca se comprovou para onde vai o lucro da jogatina, mas sempre houve indícios de que esse tipo de empreendimento tem forte relação com outras atividades criminosas, entre as quais o financiamento do narcotráfico.

O estudo das atividades da máfia italiana, durante a operação “Mãos Limpas”, revelou essa conexão, que certamente se reproduz no Brasil, segundo o desembargador aposentado Walter Maierovitch, um dos maiores especialistas do mundo na investigação do crime organizado.

Os defensores do jogo voltam à carga no Congresso Nacional, sempre munidos dos mais nobres argumentos, sob o olhar distraído da imprensa.

O conflito nas favelas do Rio faz muito barulho, mas a notícia mais importante sobre a luta da sociedade contra o crime organizado talvez esteja em Brasília.