A Copa que precisamos ganhar
Encerrada a Copa do Mundo na África do Sul, os olhares se voltam para o Brasil, onde o mundo do futebol é abalado por mais um crime hediondo.
Tanto a perspectiva de um evento dessa envergadura quanto a gravidade dos acontecimentos que envolvem o comportamento de jogadores de futebol, ídolos de milhões de jovens e crianças, merecem um jornalismo mais qualificado.
Começa a se tornar evidente que a cobertura do esporte mais popular do País precisa receber uns ajustes.
Precisa oferecer muito mais do que os comentários sobre táticas e jogadas ensaiadas e observar também o entorno dos gramados, os aspectos econômicos e sociais do jogo.
As grandes verbas movimentadas para a realização da Copa obrigam a falar de economia e de transparência nos negócios públicos.
O crime que tem como protagonista o goleiro Bruno, do Flamento, obriga a abordar a questão social.
Quanto ao episódio que tem como vítima a jovem Eliza Samudio, o Globo é o primeiro dos grandes jornais a dar destaque para a questão da violência contra a mulher.
Com chamada na primeira página, o jornal carioca publicou, no domingo, ampla reportagem relatando que o Brasil está em 12o. lugar no ranking dos crimes contra mulheres.
Uma mulher é morta a cada doze horas no Brasil e as denúncias por atos violentos contra mulheres cresceram 65% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2009.
O Estado do Rio de Janeiro tem dez das trinta cidades em que ocorrem mais agressões contra mulheres, o que poderia ser visto como um indicador de covardia e intolerância.
Como se vê, uma reportagem em apenas um jornal, durante mais de dez dias de intensa cobertura sobre um caso tão estarrecedor é pouco, diante da banalidade em que se transformou a violência de gênero.
A reportagem do Globo revela, entre outras coisas, que o Brasil tem uma legislação protetora mas não possui estrutura para abrigar as vítimas.
Além disso, muitos relatos indicam que mesmo nas delegacias especializadas, as vítimas são destratadas pelos policiais e atendentes e muitas vezes constrangidas diante de seus próprios agressores.
A convicção machista é de que, se a mulher apanhou, foi porque aprontou alguma.
A Copa vem aí, mas o campeonato que o Brasil precisa vencer de fato é o da civilidade contra a truculência.
Os “frangos” da imprensa
Alberto Dines:
– A Espanha uniu-se ontem na euforia pelo triunfo sobre a Holanda. No sábado, mais de um milhão de catalães foram às ruas de Barcelona para protestar contra a decisão do Tribunal Constitucional de frear suas pretensões autonomistas. A Espanha estava nas primeiras páginas dos jornalões de domingo, os cadernos da Copa transbordavam de notícias e comentários sobre a finalíssima do Mundial e nenhum deles conseguiu cumprir com a exigência mínima do jornalismo moderno: contextualização.
O mega-protesto na Catalunha – o maior nos últimos 30 anos – só foi noticiado pelo Globo, um jornal que é impresso no Rio e, aparentemente, o único que mantém um plantão aos sábados na editoria internacional. As edições de domingo do Estadão (que rodou às 00:15) e da Folha (impressa às 23:27 do sábado) não ofereceram aos seus leitores qualquer informação sobre o clima tenso da Catalunha.
Quem garante que numa competição internacional o leitor do noticiário esportivo não faz questão de conhecer o que se passa nos países que se enfrentam em campo? No caderno da Copa a Folha publicou ontem um apelo do técnico espanhol Del Bosque para que a união do time se estenda a toda a Espanha (entre os 23 convocados há oito catalães e três bascos oriundos das duas regiões mais irredentistas do país).
Por que não oferecer ao leitor-torcedor uma informação mais completa, menos linear, sobre os contrastes entre uma Espanha unida pela devoção à Fúria e os fervores separatistas? Se o jornal assume-se como um produto contínuo e diário não pode deixar lapsos na edição mais cara e mais rica da semana.
Pior vexame foi a cobertura da disputa entre a Alemanha e o Uruguai pelo 3º lugar no sábado à tarde. Os três jornalões deixaram um buraco na primeira página para dar a notícia e reservaram um espaço nos cadernos da Copa para modestos desdobramentos.
Nenhum dos brilhantes comentaristas dos três jornalões foi autorizado a tratar do derradeiro jogo de uma seleção latino-americana nesta Copa de 2010. Com este tipo de jornalismo incompleto, descontinuado, fragmentado, será difícil enfrentar a internet. A não ser que a internet ofereça um noticiário ainda pior do que o dos impressos.