A CPI do impossível
A fotografia das caixas de papéis entregues ontem pelo governo aos integrantes da CPI dos Cartões Corporativos, publicada hoje por O Estado de S.Paulo e O Globo, é o melhor retrato da impossibilidade de se chegar a uma conclusão nas investigações sobre gastos pessoais de autoridades com dinheiro público.
Só ontem foram desembarcados 102 volumes cheios de ofícios, notas fiscais e planilhas de prestação de contas.
E essa papelada se refere a apenas dois ministérios.
Como ainda faltam documentos de 33 ministérios, se considerarmos a média de cinquenta caixas para cada um, os parlamentares da CPI terão que abrir 1.650 caixas de papelão e de lá separar e analisar o que pode trazer indícios de fraudes.
Essa é a chamada missão impossível.
O material se refere a todas as despesas efetuadas por autoridades e funcionários graduados através das contas bancárias específicas e cartões de crédito corporativo, desde 1998.
A imagem de centenas de caixas, que deverão se transformar num volume impossível de ser manipulado, revela a verdadeira natureza da CPI.
Nem governo, nem a oposição e nem a imprensa acreditam de fato que se vai chegar a qualquer conclusão, a menos que o prazo para as investigações avance pelo fim dos tempos.
Mas, afinal, pouca gente ainda acredita que as CPIs servem para esclarecer alguma coisa.
O que desejam todos os envolvidos é juntar munição para a campanha eleitoral que se aproxima.
Por outro lado, nenhum jornal avançou no caso do vazamento de dados sobre gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem como principal suspeito o senador paranaense Álvaro Dias.
O Globo e o Estadão descrevem o constrangimento que ele passou ontem na CPI e o Estadão chega a lamentar o ‘gol contra’ do senador tucano, que pode atrapalhar a investigação sobre o suposto dossiê.
A Folha prefere investir no pacote de informações que vazou da Casa Civil da Presidência e deixa em segundo plano o fato de um senador da oposição ter tido acesso aos dados e ser apontado como o responsável por passá-los à imprensa.
A rigor, tudo que se publica hoje é secundário em relação à origem de toda a celeuma, que era a suspeita de que as contas especiais e os cartões corporativos estariam sendo usados para a realização de despesas irregulares.
Por enquanto, o que se sabe a respeito disso é que tanto neste governo como no governo anterior havia quem gostasse muito de tapiocas.
A tragédia e a comédia
A imprensa se divide nesta semana entre a tragédia que vitimou a menina Isabella e a comédia de erros que envolve parlamentares e a imprensa no caso dos gastos com cartões corporativos.
Alberto Dines:
– O Brasil inteiro quer saber quem matou a menina Isabella.
O caso tem os ingredientes de uma tragédia grega, mas está sendo tratado como folhetim policial. Sobretudo depois do pré-julgamento do pai por uma delegada apressadinha.
Poucos, porém, estão interessados nos desdobramentos do Dossiê dos Cartões Corporativos, além de jornalistas e políticos. Este caso tem lances estranhos e dúbios, bem no estilo de Shakespeare. Ontem, o senador Álvaro Dias do PSDB do Paraná que já admitira ter visto o dossiê antes da sua publicação pela Veja, ao se defender, declarou que uma revista séria não publicaria um documento tão grave baseado em apenas uma fonte. Com isso atrapalhou-se ainda mais: reconheceu que teria sido um dos informantes do semanário.
Além disso, revelou enorme ingenuidade porque no Brasil, ao contrário do que disse, não é rara a divulgação de graves denuncias baseadas num único documento, geralmente apócrifo. Ao contrário dos jornalistas que têm o direito de preservar as fontes para garantir a sua liberdade, um parlamentar da oposição não pode esconder os detalhes de suas relações com o governo sob pena de passar a impressão aos eleitores de que foi cooptado ou é um agente duplo. Veja tem o direito de ficar calada.
O tucano Álvaro Dias tem a obrigação de abrir o bico.