A crise no retrovisor
A frase do presidente do Bradesco, reproduzida nesta quarta-feira pelo Estadão, resume a percepção geral do mercado sobre a crise financeira que se abateu sobre o mundo no final do ano passado.
Comentando os números de inadimplência e atrasos de pagamentos, Luiz Carlos Trabuco considerou a situação normal e afirmou que a crise “está no retrovisor”, ou seja, pertence ao passado.
Na mesma edição, o Estado de S.Paulo noticia que os investimentos estrangeiros na Bolsa de Valores de São Paulo apresentaram em maio um saldo recorde de mais de 6 bilhões de reais, maior do que o obtido em 2008.
Outra notícia, agora na Folha de S.Paulo, informa que a Polícia Federal investiga atividades da corretora americana Merril Lynch no Brasil, sob a acusação de lavagem de dinheiro e outras fraudes.
Antes de chegar à beira da bancarrota, a Merril Lynch era uma das fontes prediletas do jornalismo econômico, e suas avaliações do mercado eram reproduzidas pela imprensa brasileira como manifestações de sábios gurus.
Apanhada no meio da turbulência, a corretora acabou sendo comprada pelo Bank of America e tenta se consolidar como a maior do setor em todo o mundo.
Mas a investigação da Polícia Federal, segundo a Folha, revela que seus métodos podem se aproximar mais de práticas da máfia do que de instituição financeira respeitável.
Nesta semana, especialistas em comunicação realizam em São Paulo o seminário internacional Unomarketing, para discutir mudanças no conceito de comunicação corporativa, marketing e publicidade em função da sustentabilidade.
Nas sessões realizadas na terça-feira, alguns dos participantes alertaram para o risco de a imprensa e as companhias anunciantes abandonarem os debates sobre as causas da crise para celebrar os sinais de recuperação da economia.
O entusiasmo do presidente do Bradesco e as notícias sobre a volta de investidores estrangeiros à Bolsa do Brasil se encaixam nesse fenômeno.
Assim como mergulhou no pessimismo nos primeiros dias da crise, a imprensa tenta emergir com manifestações de otimismo que podem deixar em segundo plano as discussões sobre a confiabilidade do sistema representado, entre outras instituições, pela Merrill Lynch.
Assim se desperdiça a oportunidade criada pela crise para discutir a falta de sustentabilidade do sistema.
Informação pública
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– O envio ao Congresso do projeto de lei nº 5228, que regula o acesso a informações públicas, foi devidamente saudado pelos setores que defendem maior transparência da gestão pública no país, muito embora os estudiosos da questão saibam que ainda há muito caminho a ser trilhado até à consecução plena das boas intenções desse projeto.
A Constituição de 1988 já determinava que todo cidadão tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse geral e coletivo – conforme apontou Cristiano Aguiar Lopes, num artigo para a edição online deste Observatório. O problema é que a ausência de uma legislação que regulasse os procedimentos de acesso, prazos e eventuais punições para o não-cumprimento da norma constitucional fez com que esse direito da cidadania fosse escamoteado por mais de 20 anos – alimentando o que Cristiano chamou de “segredismo burocrático”, em voga desde os tempos do Brasil Colônia.
De outra parte, e dando de barato que a lei será aprovada sem grandes percalços – o que é uma hipótese para lá de otimista – cabe perguntar: como a imprensa vai trabalhar com o mundaréu de informações de que passará a dispor? Artigo de Solano Nascimento, também na edição online do Observatório, mostra como a leitura apressada de dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) pode produzir reportagens equivocadas e, no limite, comprometer a vida de pessoas em situação de risco social.
A ampliação do acesso a informações públicas será sempre muito bem-vinda. O incremento da qualidade da apuração jornalística aplicada a elas, também.