A gaiola das loucas
Um olhar criterioso sobre o noticiário econômico e o cenário das relações internacionais dá uma idéia da nova complexidade com que os jornalistas precisam lidar no seu trabalho cotidiano.
A crise financeira internacional e os resultados das ações governamentais dos países mais destacados no combate à crise aconselham a enterrar o consenso sobre o privatismo radical, que até a eclosão das turbulências na economia em 2008 era tido como dogma em quase todas as redações.
Ninguém que pretenda ser tomado a sério haverá de negar que foi a iniciativa do Estado, e não o movimento dos mercados, que permitiu ao mundo celebrar o que parece ser a retomada da normalidade.
Enquanto os executivos de instituições públicas de todo o mundo se debruçavam sobre as causas da crise, propondo medidas de emergência e de longo prazo para restaurar o estado natural dos negócios, o chamado mercado se transformava numa verdadeira “gaiola das loucas”, na qual a habitual frieza dos resultados financeiros foi substituída pela histeria descontrolada.
Até mesmo analistas muito prestigiados pela imprensa nacional, alguns dos quais com experiência no setor público, andaram perdendo a cabeça e a calculadora durante meses, com “chutes” que não resistiram aos fatos.
Pois nesta semana os jornais tentam destrinchar as estratégias dos líderes do G-20, o grupo dos vinte países mais influentes do mundo.
E certas cabeças que andaram fazendo previsões esdrúxulas seguem sendo prestigiadas com seu espaço periódico, como se fosse possível apagar e esquecer tudo que foi escrito e declarado apenas poucos meses atrás.
De longe, o Estado de S.Paulo é o que dedica maior espaço às controvérsias que deverão estar à mesa de negociações em Pittsburg, nos Estados Unidos, por estes dias.
Juntando todos os temas em discussão, o pano de fundo revela o conflito essencial: de um lado, Wall Street e a City Londrina pressionando para impedir ou limitar a tendência a maior controle dos bancos; do outro lado, o movimento liderado pelos europeus, do qual fazem parte o Brasil e outros emergentes, para a criação de uma nova ordem regulatória para o setor financeiro.
Com quem vai ficar a imprensa?
Vai apoiar a mudança ou vai continuar na gaiola das loucas?
Celebrando a crise
A complexidade dos temas que ocupam os líderes globais pode ser avaliada pelo fato de que eles se reúnem pela terceira vez em dez meses, como destaca a Folha de S.Paulo.
Parte importante do debate, que extrapola a questão da regulamentação do setor financeiro, é a adoção de um modelo global de desenvolvimento que leve em conta muito mais do que a liberdade de movimentos do capital.
Trata-se da tentativa de incluir, nas discussões econômicas, objetivos até aqui relegados a segundo plano, como a decisão de assegurar o bem-estar geral, com a redução das desigualdades sociais, e a preservação do patrimônio ambiental como garantia para as gerações futuras.
A questão central do encontro dos líderes mundiais parece encaminhada com a reforma integral do sistema de monitoramento dos mercados financeiros na Europa, que deverá entrar em operação já em 2010.
Se o modelo proposto para o Comitê Europeu de Risco Sistêmico for adotado globalmente, devem ser resolvidas outras questões paralelas, como a liberdade com que são movimentados recursos do narcotráfico, do contrabando de armas, da corrupção e outras atividades criminosas.
Como se sabe, esse lado escuro do mercado financeiro tem sido um grande entrave para o desenvolvimento de muitos países e foco de tensões em várias regiões do planeta, entre as quais a América Latina.
Boa parte dos escândalos que ocupam a imprensa brasileira só existe por causa das facilidades com que os delinqüentes têm contado para a lavagem de dinheiro.
A dificuldade que tem a imprensa para entender o novo cenário pode ser calculada pela repercussão que foi dada, nos últimos dias, ao estudo realizado pela Agência Internacional de Energia, anunciando que a crise financeira, ao impor a redução de investimentos em energia, acabou por provocar uma queda nas emissões de dióxido de carbono.
Alguns analistas chegaram a celebrar o fato, como se a questão ambiental pudesse ou devesse ser dissociada da questão social.
Como se fosse auspicioso o fato de a recessão ter desestimulado o atendimento à demanda de energia por parte da população mais pobre, pelo efeito colateral do impacto da crise sobre as emissões de gases poluentes.
O desenvolvimento sustentável exige visão mais abrangente.
Com raríssimas exceções, a imprensa ainda não demonstrou que pode oferecer essa visão.