A guerra escondida
Os jornais comentam hoje as dificuldades para cobrir a invasão israelense da Faixa de Gaza.
Isolados na fronteira, os repórteres podem apenas ouvir as explosões e os disparos, mas não conseguem entrar na zona de conflito nem se comunicar com informantes.
Até mesmo os telefones celulares dos soldados foram confiscados, para evitar que se comuniquem com familiares ou jornalistas.
Portanto, tudo que se lê hoje na imprensa sobre os combates e até mesmo sobre o eventual cumprimento das normas do direito internacional para situações de guerra é informação limitada e censurada por uma das partes.
O público não está sendo servido de jornalismo, mas do trabalho de relações-públicas que selecionam o que pode e o que não pode ser divulgado.
Os relatos que enchem as páginas dos jornais, vinte e quatro horas após o início dos combates, são produzidos a partir de textos distribuídos pelo exército israelense.
Além disso, apenas a rede de TV Al-Jazeera e alguns representantes de agências de notícias que já se encontravam na zona de luta antes da invasão conseguem furar o bloqueio, mas têm dificuldades para as transmissões.
A associação dos correspondentes conseguiu na Justiça de Israel permissão para a entrada de dez jornalistas, mas eles terão a movimentação restrita e serão obrigados a gerar informações para todos os veículos de comunicação que têm representantes do lado de fora.
A cobertura segue sendo parcial e limitada ao que interesssa às autoridades israelenses.
Além disso, também foram impostas restrições aos integrantes de entidades humanitárias que tentavam ingressar na região para reforçar os serviços de assistência médica aos feridos.
A nova etapa do conflito entre o Estado de Israel e o povo palestino está sendo contada por um lado só na grande imprensa.
Mas as redes de solidariedade, que reúnem militantes pela paz de todas as nacionalidades, não param de alimentar a sociedade com relatos desordenados, porém cheios de informações, sobre o que acontece na Faixa de Gaza.
As Redes de Cooperação Comunitária sem Fronteiras, por exemplo, traduziram e divulgaram o teor dos panfletos lançados pela aviação israelense sobre a população sitiada na zona de guerra e mantêm um intenso intercâmbio de informações que inclui cidadãos árabes, palestinos e judeus.
Por enquanto, a chamada grande imprensa ainda não descobriu essa fonte alternativa de informações.
Pornografia é cultura
A Folha de S.Paulo inaugurou o ano de 2009 com uma reportagem no mínimo curiosa no seu caderno de cultura e entretenimento.
Com fotos altamente inspiradoras, o jornal paulista explica como funciona o setor de negócios chamado de ‘celebrity-pornô’.
O texto trata do tal mercado erótico da mesma forma como, em outras edições, tem apresentado aos leitores a nova série da televisão ou a abertura da temporada de espetáculos musicais.
Lendo a Folha Ilustrada no dia 1o. de janeiro, o cidadão ficou sabendo, por exemplo, que uma das atrizes do cinema pornográfico nacional é ex-namorada da filha de uma cantora que se celebrizou pelo porte avantajado de sua ‘derrière’.
Também ficou conhecendo detalhes da carreira de ‘atrizes’ que ingressaram na vida ‘artística’ depois de um relacionamento com um famoso jogador de futebol.
E por aí vai.
A Folha Ilustrada está comemorando 50 anos de existência.
A Folha de S.Paulo até publicou um livro interessante para marcar a efeméride.
Dizem os textos do jornal, ao anunciar o livro, que se trata de um ‘panorama da história do caderno de cultura da Folha‘ e dos eventos culturais mais importantes ocorridos neste meio século.
Fica estabelecido, portanto, que estamos falando de cultura.
Portanto, a instigante obra do produtor de pornografia Cacau Oliver passa a integrar o acervo das nossas realizações culturais mais relevantes.
Talvez os editores da Folha Ilustrada tenham desejado apenas reforçar os pressupostos segundo os quais vivemos a era em que tudo é arte.
Mas, como dizem alguns críticos, se tudo é arte, nada é arte, se tudo tem o mesmo valor, nada pode ser avaliado.
Também é possível que os editores da Folha Ilustrada tivessem pretendido ser irônicos.
Só faltou avisar os leitores.