A hora do balanço
A imprensa entra hoje em fase de espectativa com a reunião ministerial que deverá marcar a estratégia brasileira para defender a economia nacional da crise financeira que explodiu em setembro passado.
Os jornais ainda não abandonaram as metáforas de fácil assimilação, mas observa-se uma tentativa dos editores de segregar os diversos setores afetados e apontar caminhos para o leitor.
O Estado de S.Paulo anuncia em manchete de primeira página a reunião ministerial e tenta antecipar medidas de um pacote anti-crise que estaria em gestação no Palácio do Planalto.
O Globo e a Folha de S.Paulo procuram orientar o leitor em meio à confusão dos dados econômicos.
A sessão ‘Você Investe’, do jornal carioca, orienta o investidor e o poupador no sentido de absorver rapidamente os prejuízos e refazer suas escolhas para preservar o patrimônio no longo prazo.
A Folha distribui o caderno ‘Mais dinheiro’, apostando que o ‘fundo do poço’ já está visível e oferecendo opções de investimento no mercado de ações em 2009.
Mas alerta que a recuperação pode ser lenta, penosa e no longuíssimo prazo.
A novidade é um espaço destinado ao conceito da FIB – Felicidade Interna Bruta – em contraposição ao PIB – Produto Interno Bruto – como medida de desenvolvimento.
O conceito, emprestado do rei do Butão, um país minúsculo encravado no Himalaia, está fazendo a cabeça dos esotéricos mas ainda não havia chamado a atenção dos jornalistas de economia e negócios.
O balanço que a imprensa vem fazendo nos últimos dias revela que ninguém se salvou no mercado de ações.
O valor de praticamente todas as empresas de capital aberto caiu drasticamente e agora a régua nivela por baixo, o que oferece alguma ordem para quem está disposto a voltar às apostas.
De modo geral, a imprensa parece ter passado da euforia ao catastrofismo e agora começa a juntar os restos do naufrágio para construir uma jangada.
A semana começa em clima de cautela, com certo conformismo em relação ao que vem por aí.
Já se reconhece que aquela sombra ali adiante está longe de ser uma marolinha, mas também pode não ser o tsunami que alguns estavam anunciando.
As letras e a cruz
A imprensa brasileira foge do debate sobre as relações entre a igreja e o Estado.
Alberto Dines:
– Enquanto o governo e a grande imprensa continuam desinteressados em divulgar os termos do acordo entre o Brasil e o Vaticano uma notícia de primeira página na edição de ontem do importante diário espanhol El País mostra o quanto nossa democracia é claudicante em matéria de laicismo.
Pela primeira vez na história espanhola um juiz obrigou uma escola pública a retirar todos os símbolos religiosos, inclusive crucifixos, das paredes. Aconteceu em Valladolid: a ação foi iniciada por pais de alunos que há três anos apelaram à direção da escola para a retirada dos símbolos religiosos. Em sessão secreta a direção da escola negou o pedido.
Com base em sentença do Tribunal Constitucional (que equivale ao nosso STF), o juiz declarou que a presença de elementos religiosos – de qualquer confissão – torna vulneráveis os direitos fundamentais de liberdade e igualdade religiosa e põe em risco a neutralidade e o laicismo previstos na constituição do país.
Convém lembrar que a Espanha sempre foi um dos maiores baluartes da Igreja e, no entanto, a partir da morte do ditador Franco e da redemocratização incorporou todos os princípios que regem as modernas democracias. A adoção da Escola Laica, a reforma da lei de Liberdade Religiosa e ampliação da Lei do Aborto fazem parte da plataforma do partido socialista no poder desde 2004 que o coloca em conflito permanente com a Conferência Episcopal Espanhola (equivalente da nossa CNBB).
O único ponto onde não há atritos entre o governo e a igreja está na questão dos subsídios. A crise econômica fez com que as verbas para instituições católicas tenham sido aumentados em 34%. Este subsídio sai da receita do Imposto de Renda de cidadãos que expressem este desejo. A notícia sobre a inédita sentença do tribunal espanhol contra os símbolos religiosos em escolas públicas não foi publicada na imprensa brasileira.