A imprensa descobre o partido do crime
O Globo e o Estado de S.Paulo abrem a semana com grandes contribuições para o entendimento de dois fenômenos presentes no noticiário, mas nem sempre relacionados entre si pela imprensa: o crime e a política.
O Globo apresentou no domingo, e reforça na edição de hoje, o resultado de um trabalho sobre o funcionamento do Estado paralelo que se instalou em bairros pobres do Rio de Janeiro.
O Estadão fez uma radiografia do PCC, o grupo criminoso com raízes na corrupção policial em São Paulo, que se prepara para consolidar seu poder político e institucional.
A reportagem do Globo, publicada no final de semana e com uma continuidade na edição de hoje, testemunha os processos de julgamento e sentenciamento de moradores das favelas que atrapalham os negócios dos traficantes, ou que simplesmente desobedecem o bizarro código social que os criminosos impõem às populações abandonadas pelo poder público.
As cenas descritas pelo jornal carioca deveriam provocar uma intervenção imediata do Estado naquelas comunidades, para livrá-las da tirania do crime.
A reportagem do Estadão, publicação também iniciada no final de semana, começa destrinchando a contabilidade da organização chamada PCC – Primeiro Comando da Capital, revelando que o negócio do crime cresceu 511% em dois anos.
Mostra também que a facção que dominou os presídios paulistas durante o governo Geraldo Alckmin tem conexões internacionais e faz parte de uma aliança para o tráfico de cocaína que pode envolver até mesmo as Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Na edição de hoje, o Estadão revela que o PCC tem planos adiantados para influenciar na política, por meio de doações a tesoureiros de partidos e apoio a certos candidatos.
Recentemente, neste Observatório da Imprensa, foi feita a afirmação de que os jornais deveriam atentar para os sinais de que o crime organizado estaria atuando em municípios importantes no sentido de influenciar as eleições deste ano.
A citação foi feita a partir da observação de conexões no noticiário sobre ações do crime organizado e a estrutura dos casos de corrupção descobertos pela Polícia Federal em centenas de prefeituras.
Noticiou–se, há pouco tempo, por exemplo, que em 70% dos municípios paulistas há suspeitas de irregularidades envolvendo prefeitos e vereadores.
Como um fenômeno desse tipo não ocorre espontaneamente, trata-se claramente de uma ação organizada, que só pode ser levada adiante com uma estrutura como a que caracteríza o PCC.
O Estadão afirma hoje que a organização criminosa usa como modelo a estrutura do Ira – Exército Republicano Irlandês, que migrou do terrorismo para a representação política.
O trabalho do Globo e do Estado mostra como a imprensa, quando quer, pode fazer jornalismo de verdade, e ajudar a sociedade a se prevenir de riscos como esse.
Agora, trata-se de dar seguimento às investigações, ajudando o leitor a observar que candidaturas podem estar nascendo com a mão do crime.
Jornalismo de dossiês
A publicação de dados parciais vazados de aquivos públicos não ajuda o leitor a entender o caso dos gastos com cartões corporativos e contas especiais do governo.
O jornalismo dos dossiês e vazamentos é um retrocesso nas relações entre a imprensa e o poder.
Alberto Dines:
– Seja dossiê ou banco de dados, qualquer nome que se dê ao conjunto de documentos vazados da Casa Civil para a revista Veja sobre cartões corporativos no período FHC, a esta altura o que importa é saber como um material necessariamente sigiloso foi parar nas mãos de uma revista oposicionista. É evidente que os jornalistas beneficiados pelo vazamento jamais revelarão a fonte. Mas os vazadores, estes têm a obrigação de acabar com este contrabando que está convertendo Brasília na capital da contravenção jornalística.
Depois da façanha dos ‘aloprados’ em 2006, flagrados ao tentar vazar o forjado Dossiê Vedoin, imaginava-se que o procedimento seria abandonado. É obsoleto, não funciona, equivale a um tiro no pé.
Vazamento só prejudica o vazador porque a primeira reação que provoca é saber a quem beneficia a divulgação. Por isso não ‘colou’ a desculpa inicial da ministra Dilma Roussef ao alegar que o dossiê — ou banco de dados — era forjado.
As suspeitas eram tantas que a Casa Civil preferiu seguir outra linha de argumentação e optou pelo eufemismo, o dossiê não era dossiê, era uma base de dados. O jornalismo de vazamentos, sem investigação, é mau jornalismo. Cultivar este mau jornalismo prejudica a todos – prejudica as autoridades, a oposição e, sobretudo, prejudica os jornalistas.