A imprensa e a natureza dos bancos
Os jornais de hoje destacam duas notícias sobre o setor financeiro que, embora pareçam distantes, são peças complementares para quem ainda tem a pretensão de enxergar alguma racionalidade no noticiário econômico.
A primeira notícia, destaque em toda a imprensa mundial, dá conta de que o governo dos Estados Unidos anunciou a maior reforma já feita no mercado americano desde a Grande Depressão, iniciada em 1929.
E a peça principal da mudança é o estabelecimento de controles mais rigorosos do banco central americano, o Federal Reserve, sobre bancos de investimento, seguradoras e outras instituições privadas.
A medida inclui a criação de uma ‘polícia financeira’, que deverá ter poderes para inibir a liberdade de ação dos bancos e intervir em operações que representem risco de agravamento da crise.
A outra notícia se refere ao mercado brasileiro.
Por aqui, os bancos reagiram à exigência de divulgar os preços de suas tarifas da maneira mais natural possível: primeiro aumentaram as tarifas, e depois publicaram a lista.
Em pelo menos um caso, o aumento chegou a 150%.
O Procon e o Instituto de Defesa do Consumidor, citados por todos os jornais, consideram que houve um jogo combinado, ou seja, os bancos estariam atuando como um cartel ao alinhar os preços ao mesmo tempo, sem outra justificativa além da nova exigência de transparência criada pelo governo.
A característica principal do cartel é que ele substitui a concorrência dos agentes do mercado entre si pela concorrência entre eles e o consumidor.
É um jogo em que não se sabe quem ganha mais.
Sabe-se apenas quem perde.
Para o leitor habitual de jornais, pode parecer estranho que a imprensa tenha recebido com muita naturalidade a informação de que, no coração do sistema de livre mercado, o Estado seja convocado a aumentar sua intervenção para resolver uma crise do mercado.
Talvez algumas pessoas também estejam sentindo falta da gritaria de certos articulistas que vivem apregoando o fim do Estado e exigindo a plena liberdade para o capital financeiro como condição para o desenvolvimento.
Em 1995, quando o governo brasileiro decidiu intervir para estimular o mercado, criando o Proer, esses analistas aplaudiram.
Há cerca de duas semanas, quando o Federal Reserve adotou medidas para evitar o agravamento da crise, injetando dinheiro nas instituições financeiras dos Estados Unidos, muitos desses especialistas compararam a medida ao nascimento do Proer brasileiro.
Houve até certo ufanismo, do tipo: ‘receita brasileira salva bancos americanos’.
Agora que o governo dos Estados Unidos decidiu que cabe ao Estado policiar o mercado, o silêncio dos radicais privatistas chega a ser ensurdecedor.
O Brasil desconhecido
O Globo tem sido o jornal brasileiro com maior capacidade de penetrar nas comunidades pobres dominadas pelo crime organizado e tiranizadas por milícias de policiais corruptos.
Até mesmo pela proximidade com as favelas nos morros cariocas, o jornal tem surpreendido seus leitores com reportagens que revelam parte da realidade nessas comunidades.
Mas quem de fato conhece esse Brasil que o Brasil abandonou?
Quando a imprensa fala dos favelados, seja para noticiar os crimes de que são vítimas ou protagonistas, seja para enaltecer sua ginga e sua capacidade de sempre renovar o carnaval, estea falando de quem afinal?
Ouça o comentário de Alberto Dines:
– O que pensam os favelados? Será que a mídia consegue interpretar as opiniões e sentimentos daqueles que vivem na terra-de-ninguém entre o Estado o crime organizado?
A Central Única das Favelas encomendou uma pesquisa inédita em 101 comunidades carentes do Rio de Janeiro e o ‘Observatório da Imprensa’ vai discutir hoje à noite as suas conclusões.
São surpreendentes.
Às 22:40 ao vivo na TV-Cultura e TV-Brasil.