A imprensa na arquibancada
Outra vez frustrada em sua obsessão pela hegemonia nacional no futebol mundial, a imprensa brasileira novamente veste a camiseta de torcedor e brinda o público com muita emoção e pouca análise.
A seleção olímpica de futebol, que carregava a convicção da mídia por uma medalha de ouro, vai outra vez, quando muito, se habilitar a uma medalha de bronze.
O sonho do título inédito vai novamente para o depósito de frustrações.
O técnico Carlos Dunga é o responsável escolhido pela imprensa. Ontem, desde as primeiras horas após a jornada desastrosa, muitos sites de jornais já consultavam os leitores-torcedores sobre seu destino.
Como é de praxe, muito provavelmente o que se vai seguir é o conhecido processo de fritura que acaba com a substituição do gerente.
Enquanto isso, os jornalistas permanecem longe dos problemas crônicos do futebol nacional.
Não que a imprensa devesse considerar que o selecionado nacional tem que ganhar todas as competições de que participa.
Apenas seria o caso de aproveitar esse novo fracasso para fazer uma radiografia da estrutura do futebol profissional do Brasil, que já serviu até mesmo para operações de lavagem de dinheiro da máfia russa.
Afinal, se o futebol é assim tão importante para mobilizar as paixões de veteranos jornalistas e ganhar os espaços mais nobres do noticiário, seria de se perguntar por que a imprensa deixou de se interessar pela corrupção e outras mazelas do futebol.
Houve uma CPI sobre o tema, que se esvaziou sem maiores conseqüências.
A cada nova temporada, renova-se o jogo das paixões sem que alguém se interesse em investigar os bastidores desse negócio bilionário, no qual se envolvem empresários, diretores de clubes e jogadores famosos, com fortes cheiros de fraudes contra o fisco e evasão de divisas.
Enquanto isso, os jornalistas se contentam em ficar à beira do campo.
A liberdade vigiada
Algumas decisões recentes da Justiça expõem uma interpretação perigosa das garantias constitucionais que protegem a liberdade de expressão.
No caso do jornal Impacto, de Santa Catarina, cujo material foi considerado inapropriado pela própria Associação Nacional de Jornais, trata-se de decisão intempestiva que merece a atenção da sociedade, pelo antecedente que provoca em plena disputa eleitoral.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– O fechamento do site jornalístico Novojornal, por pedido do Ministério Público de Minas Gerais acatado pelo Judiciário, expõe uma vez mais a fragilidade dos instrumentos que deveriam zelar pela liberdade de expressão no país. Embora expressamente garantida pela Constituição de 1988, a livre expressão do pensamento ainda está sujeita a um cipoal de legislações anacrônicas, herdadas do período ditatorial, ao mesmo tempo em que carece de uma regulamentação moderna, democrática e socialmente legitimada no debate franco e aberto.
Não se trata aqui de julgar o mérito do ocorrido com o Novojornal, semana passada, nem o que se deu com o semanário Impacto, de Florianópolis, no fim de julho. Ambos foram impedidos de circular por decisão judicial. O que está em questão é a facilidade com que se apela aos velhos mecanismos da censura prévia.
Veículos jornalísticos devem ser responsabilizados pelo que publicam, isso não se discute. E se avançarem o sinal, se assassinarem reputações, se pregarem mentiras, nada mais justo que sejam punidos. Mas só depois de processo instaurado e decisão final da Justiça. Como preza o Estado de Direito.
Leia também:
Um esqueleto no armário – Marco Aurélio Carone
O empastelamento do Novojornal – José de Souza Castro
NOTA À IMPRENSA
A Associação Nacional de Jornais condena a decisão do juiz Luiz Henrique Martins Portelinha, da 101ª Zona Eleitoral de Santa Catarina, de determinar o recolhimento de todos os exemplares da edição n° 36, de 25 a 31 de julho, do semanário Impacto, de Florianópolis, e também de retirar do site do jornal a versão eletrônica da referida edição. A sentença liminar foi tomada a partir de pedido da coligação partidária que apóia a reeleição do prefeito de Florianópolis, Dário Berger, em função de matéria publicada sobre denúncias de corrupção contra ele.
A ANJ esclarece que não considera adequados os termos da matéria e da fotomontagem que a acompanha, que usa de palavras de baixo calão. Mas assinala que a plena liberdade de imprensa consagrada pela Constituição não dá ao Poder Judiciário o direito de recolher jornais, assim como o de fazer censura. A prática da ofensa, calúnia e difamação, sempre condenável, é punida com penas pecuniárias, depois de decisão final da Justiça. O recolhimento de jornais era dispositivo da Lei de Imprensa herdada do regime militar, mas foi suspenso por recente decisão do Supremo Tribunal Federal.
A liberdade de imprensa é uma conquista democrática que deve ser preservada, em benefício de todos. A liberdade pressupõe a possibilidade de abusos, que devem sempre ser punidos nos termos da lei. Uma sociedade é verdadeiramente democrática quando sabe conviver com esses excessos sem abrir o precedente da censura e da apreensão de jornais.
Brasília, 4 de agosto de 2008
Júlio César Mesquita
Vice-Presidente da ANJ
Responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão