Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

>>A mais longa crise
>>Rotina é antijornalismo

A mais longa crise


Os assuntos perdidos pelo caminho e a incapacidade da imprensa de sintetizar os elementos principais da crise, a mais longa da História do Brasil, contribuem para alimentar o tempo quente que vai perdurar pelo menos até as eleições de outubro.


O candidato Jobim


A liminar concedida a Paulo Okamoto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, esquentou os ânimos. Em política, cabeça fria funciona melhor, embora nem sempre seja possível. Mas a imprensa deve aproveitar a polêmica para discutir se o país quer um Judiciário politizado.



Rotina é antijornalismo


O Alberto Dines mostra como a mídia influencia a vida pública quando aborda determinados assuntos e quando… deixa de abordá-los.


Dines:


– Virou rotina, e rotina em jornalismo é o pecado mortal do antijornalismo. Ontem na primeira página da Folha novo desastre de ônibus, desta vez em Goiás, com 12 mortos e 39 feridos. E ontem mesmo os ônibus voltaram a atacar: onze mortos e 12 feridos em Curvelo, Minas. No dia 25 foram seis índios mortos em Rondônia, no dia 22 a colisão de dois ônibus em Presidente Prudente que matou 33 pessoas e deixou 21 feridos. No dia 21, um ônibus matou 10 pessoas perto de Vitória mas os carros também são assassinos: no Globo de ontem havia o registro de 5 mortes na mesma família em Santa Catarina e quatro atropelados em Fortaleza por um motorista embriagado. Totais: 81 mortos e 80 feridos mas ninguém sabe quantos feridos se transformaram em mortos. Tudo isso em 12 dias.


Desastre em estrada ou rua é uma macabra não-notícia. Não produz indignação, sofrimento, muito menos estatísticas. Jornalistas estão imunizados, não reagem.


Mas o marine americano nascido no Brasil morto no Iraque num acidente de estrada continua sendo acompanhado com o maior interesse pelos grandes jornais. Qual a razão que leva o Itamaraty a exigir indenização do governo americano à família do fuzileiro morto e qual a razão que leva os ministros brasileiros a não fazer coisa alguma diante da chacina rodoviária? É a mesma razão: a reação da imprensa. O Itamaraty movimentou-se porque os jornais movimentaram-se e como a imprensa noticia fria e erraticamente a matança em nossas estradas, as autoridades sentem-se desobrigadas de qualquer providência ou satisfação.


Quando os jornais surgiram, há 400 anos, buscavam as informações edificantes. Hoje, na falta de coisas boas, omitem as ruins.


O zumbido da ética


Dines, vem do vendedor ambulante Lamartine Brasiliano, entrevistado em reportagem de Afra Balazina na Folha de hoje sobre biblioteca criada num cortiço vertical do Centro de São Paulo, um bom conselho para jornalistas, que ele leu em Gabriel García Márquez: “A ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro”


Florestas devastadas


Importante reportagem de Tonico Ferreira sobre a devastação da floresta amazônica foi exibida ontem pelo Jornal Nacional. Na fala do repórter, um dado importante: “É uma destruição feita por brasileiros para brasileiros. Apenas um terço da madeira é exportada”.


Na Folha de S. Paulo desta quarta-feira, 1 de fevereiro, uma reportagem mostra a ação de um fungo que ameaça anfíbios nos 7% que restaram do ecossistema original da Mata Atlântica. É importante. Mas a reportagem não explica por que a preservação dos sapos e rãs faz diferença. Esse tratamento mantém o jornalismo sobre ciência numa esfera para iniciados.


Cartão vermelho


O ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse em público que o presidente da República pode bater pênalti para fora na escolha do modelo de TV digital. O presidente estaria coberto de razão se prosseguisse dentro da metáfora futebolística e desse cartão vermelho para o ministro. Pela petulância.


As emissoras de televisão que são declaradamente a favor do sistema japonês, defendido por Hélio Costa, deveriam explicitar isso no noticiário.



Contra o racismo


O Google, cujos criadores estão no Brasil e foram freneticamente badalados ontem na mídia, é o responsável pelo Orkut, onde há páginas racistas e de apologia às drogas, que a lei brasileira proíbe. A empresa aceita censura na China mas é lenta na administração do Orkut.


Hoje o Estadão noticia que um estudante de Brasília está sendo processado por escrever textos contra negros.