A miopia ideológica da imprensa
O leitor de jornais vai precisar de muito mais do que informações para entender o noticiário de hoje sobre o pacote do governo americano contra a crise.
A primeira impressão que se tem, ao ler as manchetes dos principais diários, e não apenas os brasileiros, é de que o presidente Barack Obama já perdeu sua batalha pela recuperação econômica.
Observe-se, por exemplo, as manchetes da Folha de S.Paulo, ‘Bolsa reage mal a plano de Obama para bancos’ e do Estado de S.Paulo, ‘Plano de Obama para resgate de bancos desanima mercados’.
O Globo foi mais contido: ‘Vitorioso no Senado, Obama dá mais US$ 2 trilhões a bancos’, diz a manchete.
O Estado e a Folha, refletindo o pessimismo de publicações internacionais predominantemente voltadas para o mundo financeiro, como o Financial Times, olham apenas a reação do mercado de ações.
O mesmo comportamento pode ser observado em nove entre dez colunistas estrelados do jornalismo nacional.
Bastaria prestar atenção a uma frase de Obama para deixar em segundo plano a reação do mercado e prestar atenção na economia real.
O que disse Obama? – ‘Acho que Wall Street ainda está na esperança de uma saída fácil, e não haverá saída fácil’, foi o que declarou o novo presidente americano.
Para construir uma manchete de primeira página, é preciso observar o retrato inteiro daquilo que está sendo apresentado pelo noticiário.
E nossos jornais, com exceção do Globo, viram apenas o efeito do pacote de Obama no mercado de ações.
Ora, se o mercado de ações, transformado em cassino, é o ninho onde o ovo da crise foi aquecido, fica difícil entender por que grande parte da imprensa ainda lhe concede tamanha relevância.
A própria natureza da crise, apontando para os fatos de que as empresas não conseguem mais se financiar nas bolsas, e que o sistema de crédito, esgotado pelas perdas com a especulação, precisa da ajuda do Tesouro, deveria induzir os editores a prestar atenção aos outros atores do teatro econômico, para os quais é dirigida a maior parte das medidas definidas ontem pelo governo dos Estados Unidos.
Mas a maioria dos editores e os mais reluzentes colunistas só enxergam Wall Street e, no Brasil, a Bovespa.
Já não se trata mais de escolhas equivocadas.
É um caso grave de miopia ideológica.
Quem paga para ler?
Analistas se debruçam sobre a crise que afeta os jornais impressos nos últimos anos.
Entre outras coisas, discute-se a cobrança pelo acesso a conteúdo jornalístico na internet.
Mas por trás de tudo está a qualidade do conteúdo oferecido.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– A crise dos jornais impressos ainda não tem hora para terminar, mas já começam a se esboçar reações mais estruturadas para enfrentar o rojão. Se no Brasil ainda há alguma demanda reprimida, que faz o sucesso dos jornais populares de baixo preço, nos Estados Unidos a situação é dramática, para dizer o mínimo.
Um estudo da consultoria Deloitte prevê que o faturamento obtido em 2009 com os anúncios classificados – uma histórica e até então mais que segura fonte de receita dos jornais – deve cair 30% em relação ao ano passado, em termos mundiais. Esta tendência levará, muito em breve, à extinção desse tipo de publicidade no suporte impresso. Por que pagar por pequeno anúncio se ele pode ser veiculado gratuitamente na internet?
Na outra ponta, os grandes jornais começam a reavaliar a estratégia de oferecer conteúdo gratuito na rede. Segundo analistas como Walter Isaacson, ex-diretor de redação da revista Time, isso fazia sentido no começo da internet. Agora, com a crise, não mais. Os americanos, por exemplo – e sobretudo os jovens –, estão lendo cada vez mais notícias na web em detrimento da plataforma impressa. ‘Quem pode culpá-los?’, pergunta Isaacson, conforme anotou a edição de ontem do jornal O Globo. Ele continua: ‘Até um velho viciado em jornais como eu deixou de assinar o New York Times, porque, se este não acha adequado cobrar por seu conteúdo, eu me sentiria um tolo pagando por ele’. De fato, faz sentido.
Leia aqui o artigo de Walter Isaacson para a Time. É grátis.