A revolução na internet
O boletim online do jornal Washington Post anuncia, na manhã de sexta-feira, que o exército egípcio respalda o ditador Hosni Mubarak mas promete eleições livres para setembro, com as mudanças exigidas pelos manifestantes da Praça Tahir.
A imprensa brasileira descobriu a velha Praça Tahrir, na cidade do Cairo, no dia 25 de janeiro, quando ela foi ocupada por centenas, que logo eram milhares, de manifestantes que protestavam contra uma ditadura corrupta que ocupava o poder no Egito havia três décadas.
O mesmo havia acontecido em 1989 em Tienamen, a Praça da Paz Celestial, que separa a Cidade Proibida do Grande Palácio do Povo, em Pequim, quando milhares de estudantes foram brutalmente reprimidos pelo exército chinês.
Assim como os egípcios em 2011, os jovens chineses também pediam mais liberdade em 1989.
De 1989 para esta data, o regime chinês caminhou linearmente em direção ao capitalismo de Estado, subvertendo alguns velhos cânones da história da economia, e dificilmente voltaria a promover um banho de sangue em caso de novas manifestações na praça milenar.
E uma das razões é a existência da internet, que permite o livre e imediato fluxo de informações e vai muito além das possibilidades da imprensa tradicional.
Também não havia sinais, até a revolta na Tunísia, em janeiro deste ano, de que pudesse haver um movimento popular no mundo islâmico em favor de liberdades democráticas.
A internet foi o estopim da revolta.
Essas afirmações são verdadeiras, ou estamos simplesmente repetindo o que nos oferece a mídia tradicional?
A imprensa ocidental, e a brasileira em particular, conhece suficientemente bem o que acontece para lá do Mediterrâneo?
Há poucos anos, em viagem de trabalho à Líbia, este observador foi surpreendido pelo mar de antenas parabólicas nos telhados e pela pujança econômica do país, em contraste com a imagem passada pela imprensa por aqui.
Pela internet, somos informados diariamente do alto grau de organização das entidades de classe e sindicais do Egito, como os metalúrgicos do Canal de Suez, que estraram em greve contra o regime e obrigaram os Estados Unidos a repensar rapidamente sua política dúbia para a região.
Nesta semana, chegou mensagem com uma declaração oficial da Faculdade de Direito do Cairo, assinada pelo reitor, Dr. Ahmed Awad Belal, respaldada por um fórum que se reuniu dia 7 e declarou ilegítimo o regime do governo egípcio, apoiando a “revolução de 25 de janeiro”.
Lembra a OAB brasileira dos anos 1980, lutando pela redemocratização.
São sutilezas de um momento histórico que a imprensa tradicional não consegue retratar em toda sua complexidade.
Linguagem sutil
Alberto Dines:
– Acostumada com a linearidade e as simplificações ocidentais, a mídia não está percebendo a linguagem cifrada, sutil, que chega do oriente. Os telejornais e portais da noite de ontem não souberam fazer a leitura correta dos despachos que chegavam do Cairo. Queriam a renúncia formal do ditador Hosni Mubarak e não perceberam que o rais já não manda, agora é apenas o chefe de Estado, de jure.
A república castrense voltou a funcionar ostensivamente como acontece há quase 60 anos consecutivos, desde a derrubada do rei Faruk. Na reunião de ontem do Conselho Supremo das Forças Armadas – sem a presença de Mubarak, teoricamente seu chefe – foi emitida uma nota de apoio às exigências legítimas do povo, denominada de Comunicado Número 1: “o Exército continuará examinando medidas a serem tomadas para proteger a nação e as ambições do maravilhoso povo egípcio’. Mas quem ameaça o Egito?
É exatamente isto que falta explicar à multidão acampada na praça Tahrir.
Em algum momento a explicação será dada, porém sem dramatizações. O líder oposicionista El-Baradei já pediu a intervenção do exército antes que o país seja varrido por uma explosão popular. O cenário está armado, faltam os novos atores. A mídia trouxe a praça Tahrir para o centro do mundo, agora além da coragem para enfrentar a repressão, precisará de muita competência e conhecimento para traduzir as complexidades de uma revolta sem revolução.