À sombra do escândalo
A crise política produzida pela revelação de um esquema de distribuição de propinas em Brasília ganha novos e interessantes contornos no final desta semana carnavalesca.
O governador interino, Paulo Octávio Alves Pereira, que, segundo destaca o Globo, chegou a ensaiar três cartas de renúncia, anuncia que vai ficar no cargo, esperando para ver se a Justiça ou qualquer outro poder esotérico, o arranca da cadeira.
Já sem apoio do seu partido, o Democratas, o vice-governador no exercício não tem grandes ambições políticas, ao contrário do que fazem pensar as notícias dos jornais.
Paulo Octávio se mantém no cargo para tentar salvar seus negócios, totalmente vinculados ao governo do Distrito Federal.
O governador interino, que completou 60 anos de idade em plena crise, no dia 13 passado, sábado de carnaval, construiu seu império de empreiteiras e propriedades imobiliárias nas sombras do poder público.
Ele representa a figura do capitalista que vive como parasita do Estado.
Aparece nos bastidores de escândalos há duas décadas, desde a eleição do ex-presidente Fernando Collor de Mello, de cuja amizade também se beneficiou.
Observar seus movimentos ajuda a entender como funciona a política na capital federal.
Os jornais acompanharam as tentativas de Paulo Octávio de obter algum apoio para seguir no cargo, enquanto se acumulam as evidências de que o governador titular, José Roberto Arruda, terá seu mandato cassado.
Sua última grande cartada foi a visita ao presidente da República, de onde esperava sair com algum alento.
Sabe-se que o presidente Lula da Silva não quer o ônus de ser o autor de uma intervenção no governo da capital, e o governador interino esperava alguma declaração que o ajudasse a recompor minimamente a governabilidade para seguir no poder.
Mas, apesar de a reunião ter sido a portas fechadas, nada fica secreto na corte, e seu fracasso logo virou notícia.
Alguns dos blogueiros mais influentes de Brasília apostaram, no começo da noite de quinta-feira, que Paulo Octávio não completaria o fim de semana no governo.
Um deles chegou a explicar “porque Paulo Octávio renunciou”.
Erraram.
Porque acharam que se trata apenas de política.
Os negócios da política
A motivação de Paulo Octávio não é o poder.
É o dinheiro.
Ele é apontado como o avalista do esquema coordenado por José Roberto Arruda, que já foi também, por mais de dez anos, o mesmo esquema do ex-governador Joaquim Roriz.
O Estado de S.Paulo publica nesta sexta-feira cópia de uma planilha de computador apreendida pela Polícia Federal, na qual está desenhado o esquema de loteamento de 4,5 mil cargos de confiança na administração do Distrito Federal, com os nomes de padrinhos e apadrinhados e os totais de salários dos cargos comissionados.
Os principais beneficiários são deputados distritais. Dos 24 deputados de Brasília, 18 estão na lista, o que explica de certa maneira como funciona o esquema.
Mas a distribuição de cargos não era a única forma de pagamento pelo apoio dos parlamentares.
Tinha também a farta distribuição de dinheiro vivo, como ficou provado nos vídeos que foram parar na internet.
Mas ainda não é esse o núcleo e objetivo central do esquema escandaloso.
O que, afinal, um empresário bem sucedido, sem necessidade de se expor à execração pública, está protegendo ao permanecer no cargo por uns poucos meses?
O que Paulo Octávio Alves Pereira tenta preservar, e que não aparece explicitamente no noticiário, é o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal.
Essa informação abre a coluna Painel da Folha de S.Paulo, mas o jornal não se estende em maiores explicações.
A mudança no planejamento urbano de Brasília é um velho sonho dos empreiteiros de Brasília.
O projeto aprovado em 1997, no governo de Christovam Buarque, era pouco intervencionista.
Por isso, o plano diretor foi reformado num dos quatro mandatos do ex-governador Roriz e, finalmente, no governo de Arruda, ganhou os contornos desejados pelo grupo, sendo aprovado pela Câmara Distrital em março do ano passado.
Trata-se, segundo a nota da Folha, de uma verdadeira mina de ouro.
A imprensa poderia contar um pouco mais dessa história e parar de fingir que a crise de Brasília é política.
Negócios, são sempre os negócios.