A última a saber
Os jornais brasileiros parecem ter sido surpreendidos, neste final de semana, pelo acordo alcançado no encerramento da conferência sobre o clima realizado no balneário de Cancun, México.
Não apenas no primeiro registro da edição online da Folha de S.Paulo, às 10h50 da manhã de sábado, mas também na edição de papel do Estado de S.Paulo, no domingo, os editores dão a impressão de que não conheciam os meandros das negociações que estão em curso nesses eventos há mais de duas décadas.
O Globo destaca “um desfecho que tomou contornos dramáticos”, ao observar que o acordo final foi apoiado por 193 dos 194 países participantes, com a recusa da Bolívia de assinar o tratado.
Representantes da Bolívia, assim como fez a Venezuela em Copenhague no ano anterior, se opunham desde o início à criação de um mecanismo de mercado para apoiar projetos de mitigação das causas do aquecimento global, por motivos ideológicos: na visão do governo boliviano, essa iniciativa “estimula o capitalismo”.
Na verdade, a maioria dos observadores da questão ambiental anunciava há meses que uma das grandes probabilidades, ainda maior do que uma decisão em torno da extensão do Protocolo de Kyoto, era a da aprovação do sistema chamado REDD+, ou Mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de florestas tropicais.
A razão para tal certeza era o fato de que, na verdade, já está em pleno movimento o chamado mercado de créditos de carbono, pelo qual investidores colocam dinheiro em projetos para compensar os países tropicais pela redução do desmatamento.
A outra grande decisão que os jornais brasileiros estão chamando, simplificadamente, de Fundo Verde do Clima, é a oferta, pelos países desenvolvidos, de um fundo para o financiamento de ações adaptativas e combate a causas e efeitos das mudanças climáticas nos países em desenvolvimento e naquelas regiões mais ameaçadas pela elevação geral média dos níveis dos oceanos.
Esses recursos já haviam sido definidos em Copenhague e parte deles já estava disponível há meses.
A imprensa tradicional do Brasil entrou atrasada na questão do clima, não tratou de recuperar o conhecimento acumulado nas quinze conferências realizadas anteriormente pela ONU e, claro, acaba surpreendida.
A grande chantagem
“Cinco Grandes” ficaram reféns do Wikileaks
Alberto Dines:
Alguns desdobramentos da façanha comandada por Julian Assange parecem consensuais, inquestionáveis:
– A responsabilidade pelo mega-vazamento é daqueles que não souberam manter a proteção aos documentos secretos do Departamento de Estado.
– A prisão do wiki-militante não pode ser considerada como represália do governo americano até que a Justiça sueca termine as investigações sobre as supostas agressões sexuais que teria cometido contra duas jovens. A Suécia é uma democracia exemplar, santuário dos direitos humanos há mais de meio século. Até prova em contrário. Colocar esta imagem sob suspeição é, no mínimo, leviandade.
O que causa espécie e muito espanto é o comportamento dos cinco veículos jornalísticos globais que ingenuamente acataram as imposições do Wikileaks sem atentar para a sua autonomia e independência – sua soberania, em outras palavras. Não avaliaram que seriam reféns de um negócio imprevisível com um parceiro mais imprevisível ainda.
Um jornal ou revista sério e responsável não faz acordo com as fontes. A fonte, no caso o Wikileaks, pode até fazer exigências para garantir a sua segurança, mas não pode impor suas vontades no tocante ao aproveitamento do material que oferece. Os Cinco Grandes aceitaram a exigência de dar prioridade às suas edições on-line quando todos, sem exceção, enfrentam sérios declínios em suas edições impressas. Caíram na armadilha de um ciber-ativista mais preocupado com a sua empreitada política do que com o futuro do jornalismo impresso. Sem esta subserviência a um audacioso franco-atirador da blogosfera (cujos reais desígnios não se conhecem), o material vazado seria processado e disponibilizado dentro de paradigmas jornalísticos mais adultos e competentes.
Tem mais: a fonte não pode impor um pacote fechado na base do “ou leva tudo ou nada”. Ao submeter-se a este tipo de chantagem o jornal ou jornalista perde a sua importância, entrega-se ao seqüestrador da sua imagem. Este é o ponto: apesar das louváveis façanhas anteriores, o Wikileaks não tem envergadura nem credibilidade para bancar sozinho a divulgação destes documentos. Com medo de que o pacote fosse oferecido aos respectivos concorrentes, os Cinco Grandes apressaram-se em fazer o acordo sem dar-se conta dos riscos que corriam num momento em que o público global começa a gostar deste maravilhoso e insuperável jogo de observar a mídia.