Acusação e silêncio
A maioria dos jornalistas de economia trata o vice-presidente José Alencar como ‘aquele chato que vive falando de juros’.
Alencar, que é empresário bem sucedido na indústria têxtil, é tratado como um amador entre profissionais.
Pois no domingo, o vice-presidente disse, em entrevista à Folha de S.Paulo, que os juros não caem porque agentes do mercado financeiro chantageiam o governo através dos jornais.
Trata-se de uma denúncia grave.
Que se perdeu no vazio do desinteresse da imprensa.
Passou-se metade de uma semana e nenhum jornal, nem mesmo a Folha, se dignou a oferecer ao leitor uma informação adicional.
Apenas o colunista Clóvis Rossi fez referência à questão, citando Alencar, mas para acusar o presidente Lula de haver ‘terceirizado’ a política econômica para o mercado.
Nem uma palavra sobre a denúncia explícita do vice-presidente contra os jornais.
Segundo a transcrição da entrevista, diante da pergunta sobre por que os juros não caem no Brasil, José Alencar respondeu, literalmente:
‘Porque há uma ameaça de articulistas, que são economistas ligados ao sistema financeiro, que é muito organizado, e que colocam quase que como alternativa: ou nós mantemos esses juros ou mais uma vez vamos ter uma inflação violenta no país.’
Ou seja, o vice-presidente da República afirma que o presidente da República é refém de profissionais e investidores do mercado financeiro, que usam a imprensa para ameaçar com a volta da inflação.
E a imprensa faz de conta que não é com ela.
Agora, faça o leitor e ouvinte um exercício de observação. Pegue os jornais da semana, ou assista atentamente os noticiários da mídia especializada em economia.
O leitor vai constatar que um número significativo de ‘colaboradores’ e ‘consultores’ citados pelo jornalismo econômico tem como atividade principal um cargo importante no mercado financeiro.
O fato não é exatamente uma novidade, nem mesmo uma curiosidade, pois se trata de especialistas.
O problema é a predominância deles.
Em muitas ocasiões o Observatório da Imprensa tem publicado artigos apontando esse viés unilateral da imprensa.
A novidade é o vice-presidente da República vir a público dizer que a mídia funciona como intermediária de uma chantagem contra o poder público.
E a imprensa se cala.
Um país, duas realidades
A mídia impressa tem contra si os processos industriais complicados.
Compete contra a ligeireza do rádio, o imediatismo da internet e a onipresença da televisão.
Mas nada justifica escolhas preguiçosas de edição.
Dines:
– Viva o Quênia, pobre Quênia: pela 16ª vez, atletas quenianos ganharam a tradicional corrida de São Silvestre em S. Paulo. Viva o Quênia, pobre Quênia: considerado um dos mais ricos e estáveis da África, o país está sendo varrido por uma onda de protestos contra a fraude nas últimas eleições presidenciais – já morreram 250 pessoas, as últimas numa chacina dentro de uma igreja. Os jornalões de ontem, na verdade jornalecos ou no máximo jornaizinhos, destacaram as duas notícias sobre o Quênia em suas primeiras páginas. Separadamente. Não conseguiram nem estavam minimamente interessados em juntar os dois fatos. Mas para que serve o jornal e o jornalismo senão para relacionar, comparar, amarrar o que acontece? Acontece que os jornais nacionais de ontem, terça, saíram antes de ontem, na véspera. Precisavam ser impressos e distribuídos no início da noite, antes das gigantescas aglomerações em Copacabana, no Rio, e na Paulista, em S.Paulo, caso contrário ficariam encalhados. Não havia tempo, nem gente capaz de tentar algo mais inteligente, em outras palavras: não havia tempo, nem gente para se fazer jornalismo. Viva o Quênia, pobre Quênia – quem se interessa por esportes não prestou atenção ao que acontece na pátria do casal de atletas vitoriosos. Viva o jornalismo impresso, pobre jornalismo impresso: ontem foi um daqueles dias em que não há dúvidas sobre o fim dos jornais.