Agora tudo é campanha
Há um refluxo da crise financeira internacional na Europa, indicadores de violência alcançam níveis preocupantes nas principais cidades do País, o governador do Distrito Federal tenta suas últimas manobras para escapar de condenação por corrupção e a Câmara dos Deputados cria uma comissão para cuidar do projeto que restringe a candidatura a cargos eleitorais de cidadãos com ficha suja na Justiça.
Mas nenhum desses temas recebe o maior destaque nesta quarta-feira. Os principais jornais brasileiros se dedicam a reproduzir a algaravia de declarações envolvendo a eleição para a Presidência da República, dando início de fato à campanha antes do prazo legal.
Até mesmo o noticiário econômico acaba contaminado pelo clima eleitoral, que sofreu um empurrão na semana passada, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu entrar em cena para defender o legado de seus dois governos.
Discussões sobre uma maior ou menor intervenção do Estado na economia, que poderiam conduzir a momentos interessantes na imprensa, acabam resvalando para a manifestação de idéias preconcebidas e repetição de dogmas.
Assediado por declarações de todos os lados, o leitor tem poucas oportunidades para refletir sobre o que está sendo discutido.
O fato de o governo europeu prestar socorro a empresas da Grécia repercutiu na Bolsa de Valores mas não estimulou os chamados jornais de circulação nacional a confrontar esse evento com as opiniões de analistas e políticos sobre uma suposta estatização da economia no Brasil.
Essa notícia saiu com destaque no especializado Valor Econômico, mas não nos jornais de assuntos gerais, considerados os mais influentes.
Brasil Econômico, o mais novo concorrente na imprensa de negócios, aborda na manchete a questão do tamanho do Estado, observando que a crise internacional exige maior protagonismo do setor público, e lembrando que isso não ocorre apenas em âmbito federal, mas que também as empresas estaduais têm sido reforçadas em defesa da estabilidade econômica.
Esse debate deveria estar em toda a imprensa, forrado de informações como essas, e não de palpites.
Vale a pena o retrospecto
Quem tem paciência para garimpar nas notas curtas dos jornais, tanto em suas edições de papel como na tela do computador, fica sabendo que a comissão criada para estudar o projeto das candidaturas de ficha limpa se reúne nesta quarta-feira, na Câmara dos Deputados.
A chamada grande imprensa dá grandes espaços para os escândalos já produzidos, mas não acompanha os esforços para a moralização da política.
Essa comissão informal não tem poderes para definir mudanças no Projeto de Lei 518, de 2009, que tenta colocar restrições a candidaturas eleitorais de cidadãos com problemas na Justiça.
Mas pode indicar alterações.
O grupo, que terá um representante de cada partido, não atraiu as figuras mais notórias do Parlamento, e, portanto, não chama a atenção dos repórteres de Brasília, que costumam dar repercussão apenas aos chamados caciques da política.
Acontece que um dos temas mais sérios em tramitação no Congresso, que trata da qualidade moral dos futuros candidatos a cargos eletivos, acaba ficando nas mãos do chamado “baixo clero”, aqueles parlamentares que não participam da cúpula mas somam os votos que decidem.
Depois de tantos escândalos e tantas manchetes sobre suspeitas de improbidade de políticos, era de se esperar que a imprensa manifestasse mais interesse pelo projeto que tenta regulamentar o ingresso de “fichas-sujas” na vida pública.
Além do bate-boca entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e representantes do atual governo, que, segundo alguns articulistas, produz mais confusão do que informação, o tema que ocupa a maior parte das páginas dos jornais é a acusação de corrupção contra o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda.
Cercado de provas cada vez mais consistentes, o governador ainda tenta se defender no âmbito político, mas tudo indica que seu destino será decidido no Judiciário.
Os jornais fazem um mosaico de notícias e acompanham o caso como uma novela de televisão.
O leitor que desembarcasse de repente no assunto teria que perguntar a alguém do que se trata, uma vez que a origem do escândalo fica cada vez mais distante no calendário.
Talvez fosse o caso de apresentar, no final de semana, um capítulo especial, do tipo “vale a pena ver de novo”, para refrescar a memória do público.