Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Análises apressadas
>>Novo round na Guerra Santa

Análises apressadas


A imprensa ainda não conseguiu digerir a possibilidade da candidatura da senadora Marina Silva à Presidência da República.


Da mesma forma, políticos e analistas entre os selecionados pela mídia exibiram um festival de contradições nas opiniões publicadas durante o final de semana sobre os prováveis efeitos de uma eventual candidatura da ex-ministra do Meio Ambiente.


Entre as revistas semanais de informação, Época e IstoÉ sairam na frente, somando-se a Carta Capital, que havia antecipado as análises sobre a novidade eleitoral em sua edição eletrônica.


Veja simplesmente ignorou o fato, registrando apenas de passagem que Marina Silva pode trocar o PT pelo PV para se candidatar à sucessão de Lula da Silva.


O leitor que dispôs de tempo para ler cuidadosamente tudo que foi publicado neste final de semana sobre o provável ingresso da senadora na disputa pode ter notado também que a imprensa se preocupa essencialmente em consolidar a tese de que a candidatura de Marina Silva prejudica especialmente as pretensões da provável candidata do governo, a ministra Dilma Rousseff.


Os cenários analisados incluem ainda a possível candidatura do deputado Ciro Gomes, que está sendo pressionado para disputar o governo de São Paulo mas prefere a corrida para o Planalto.


Em praticamente todos os jornais de circulação nacional, predomina a tese de que, se confirmada, a participação da senadora vai romper a polarização da disputa presidencial, que desde 1994 contrapõe PT e PSDB como núcleos principais das duas forças dominantes e antagônicas na política nacional.


Apesar de a primeira sondagem da opinião pública, feita pelo DataFolha e reproduzida por praticamente toda a imprensa, registrar que a candidatura de Marina Silva, com apenas 3% das intenções de voto, produz pouca alteração no cenário geral, os jornais já especulam sobre o desenho de um quadro diferente, caso Ciro Gomes também decida disputar a Presidência.


A imprensa parece ter pressa em definir o enigma Marina, mas em todos os painéis desenhados comete-se o erro de se pretender um retrato definitivo de uma circunstância completamente nova, que pode sofrer influências de fatos ainda em andamento, como o escândalo do Senado Federal. 


Novo round na Guerra Santa


Alberto Dines:


– Qualquer guerra é perversa, mas a guerra em nome de Deus é coisa do Diabo. Denunciar as eventuais falcatruas dos lideres de uma seita religiosa é uma obrigação das autoridades, também da imprensa, mas é impiedoso ignorar as convicções dos seus fiéis.


Na última terça-feira a Folha de S. Paulo noticiou com grande destaque: “Universal é acusada de lavar dinheiro”. A pedido do Ministério Público de S. Paulo, a Justiça abriu na véspera uma ação criminal por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha contra dez dirigentes da Igreja Universal, entre eles o seu dirigente máximo, bispo Edir Macedo.


A IURD, enquanto confissão religiosa, não estava sendo denunciada, nem os seus oito milhões de devotos e crentes, a manchete da Folha, portanto, foi formulada de maneira preconceituosa. Naquela mesma noite, o “Jornal Nacional” da TV Globo dedicou 11 minutos – na TV, uma eternidade ! —  à repercussão do noticiário daquela manhã.


Da quarta-feira até ontem, domingo, toda a grande mídia aderiu com gosto ao pesado bombardeio contra o bispo Macedo e o seu conglomerado que inclui 23 emissoras de TV, entre elas a Rede Record, 78 rádios (próprias e arrendadas), três jornais e outras 16 empresas em diversos segmentos.


Não é a primeira vez que o grupo empresarial é alvo de investigações relacionadas com o recolhimento dos dízimos pagos pelos fiéis e indevidamente embolsados por Edir Macedo e seus parceiros, a maioria destacados dirigentes da Igreja Universal. Mas aqueles que freqüentam os  templos, participam dos cultos e seguem a sua Teologia da Prosperidade não deveriam ser misturados às supostas trapaças de seus sacerdotes.


É preciso não esquecer que o grupo ligado à Igreja Universal criou um partido, o PRB (Partido Republicano Brasileiro (antes chamava-se PMR), cujo membro mais destacado é  o vice-presidente da República, José Alencar. O PRB faz parte da base aliada do governo e todas as suas concessões de radiodifusão são tão legais – ou tão ilegais — quanto a maioria das outras. A religião é o ópio do povo, mas Karl Marx ao criar a máxima não diferenciou os credos.


A ofensiva contra a Igreja Universal do Reino de Deus não parece espontânea, sugere alguns indícios de orquestração. É certo que as evidências são gritantes, parece irrepreensível o trabalho investigativo do MP Estadual baseado na quebra do sigilo fiscal e bancário dos envolvidos. O que causa alguma estranheza é a rapidez da formação da bola de neve  midiática. A Folha tinha legítimas razões para vingar-se das 107 ações quase simultâneas impetradas por fieis da Universal contra um primoroso levantamento conduzido pela repórter Elvira Lobato [link para a matéria da FSP, 11/8, p. A-8, “Folha foi alvo de 107 ações”].


Os grupos Globo e Edir Macedo são inimigos históricos, seus conflitos transcendem o âmbito empresarial e situam-se também no explosivo terreno religioso. Mas o resto da veiculação foi com muita sede ao pote: não levou em conta os interesses dos anunciantes e do próprio público, ambos interessados em manter o atual leque de opções. E arrogantemente desconsiderou o enorme rebanho evangélico ao qual não foi oferecida qualquer compensação informativa, como se os oito milhões de crentes não importassem já que não lêem jornalões, revistões e a mídia nacional.


A criação de um escândalo alternativo ao de José Sarney convém a muitos grupos políticos. E, como sabemos, a mídia não consegue manter duas ofensivas simultâneas. O caso de Edir Macedo tem mais apelo popular.


Não estão claras também as razões  da recente e surpreendente  reviravolta da mídia no tocante à Concordata do estado brasileiro com o Vaticano. Os jornalões acumpliciaram-se com o governo no fim do ano passado e disfarçaram todos os indícios de um tratado com a Santa Sé, na realidade, um convênio preferencial com a Igreja Católica. Na ocasião este Observatório esperneou. Agora,  um a um, os veículos começam a interessar-se pela questão do estado secular como se nada tivesse acontecido em Roma em Novembro de 2008.


Nossa mídia não consegue ser transparente. Mesmo quando trilha os insondáveis caminhos da fé.