Andando para trás
A Folha de S.Paulo resolveu se debruçar sobre a mini-reforma eleitoral, aprovada pelo Congresso Nacional em votação final da Câmara no dia 16 de setembro.
E descobriu que os parlamentares fizeram exatamente o contrário do que se anunciava: em vez de tornar mais rigoroso o controle público sobre as contas de campanha, eles produziram um abrandamento na legislação.
O texto foi sancionado pelo presidente da República no dia 29 de setembro e pode, portanto, ser aplicado já nas eleições de 2010.
Sabe-se agora, porque a Folha foi atrás para reconstituir a história, que tudo foi planejado há dois anos, com a participação dos quatro maiores partidos: PMDB, PSDB, PT e Democratas organizaram as mudanças, que foram aprovadas também pelo PP.
Por recomendação dos dirigentes partidários, advogados e outros especialistas trabalharam durante dois anos na preparação de propostas para a flexibilização de algumas normas.
De acordo com os líderes dos partidos, a antiga legislação deixava muitos pontos obscuros na dependência da interpretação de técnicos da Justiça Eleitoral.
Segundo os partidos, essas supostas imperfeições da lei permitiam que o Tribunal Superior Eleitoral acabasse desaprovando contas de campanha por problemas menores, atrapalhando a vida dos candidatos.
A intenção, segundo relata o jornal, parece ter sido positiva, no sentido de estabelecer critérios mais claros para a fiscalização por parte do TSE.
Mas o processo não foi transparente e o resultado claramente reduz o controle sobre os gastos de campanha.
Enquanto a opinião pública acompanhava pela imprensa o debate sobre a tentativa de enquadramento dos sites e blogs da internet nas mesmas restrições impostas a emissoras de rádio e televisão, os parlamentares tratavam de contrabandear para dentro do projeto pelo menos oito alterações que diminuem o rigor das normas.
A alteração mais evidente retira do Ministério Público a tarefa de mover ações contra a propaganda eleitoral irregular no rádio e na TV.
Além disso, quando um candidato for condenado em primeira instância por irregularidades de campanha, basta entrar com recurso judicial que os efeitos da punição ficam suspensos até o julgamento final.
A reputação do Congresso Nacional diz tudo que pode acontecer com o afrouxamento do controle sobre as campanhas eleitorais.
Notícia atrasada
Louve-se o esforço da Folha de S.Paulo em esclarecer seus leitores sobre a manobra.
É importante a sociedade se dar conta de que o Parlamento se transformou num clube fechado em si mesmo, e que o sistema partidário já não representa politicamente o País.
Mas o leitor mais exigente certamente se sentirá frustrado por ser informado dos fatos quase um mês depois que a nova legislação foi aprovada.
Mais ainda, o cidadão haverá de se sentir enganado pelo fato de que a imprensa ficou discutindo as propostas de controlar a internet, enquanto por baixo dos panos os líderes de todos os partidos faziam o conchavo para abrandar os controles externos sobre suas atividades.
Não há como escapar da suspeita de que toda a controvérsia sobre a tentativa de regular o uso da rede mundial de computadores em campanhas eleitorais foi produzida exatamente para distrair a atenção das pessoas mais críticas enquanto se articulava a mudança na lei que deixa os candidatos e partidos mais à vontade para manusear o dinheiro da campanha eleitoral.
Ainda mais quando se sabe, agora, que com as novas regras, a Justiça Eleitoral não mais poderá suspender totalmente o tempo de TV e rádio ou interromper o repasse de verbas do Fundo Partidário às candidaturas apanhadas em irregularidades.
Além disso, os dirigentes partidários não mais responderão pessoalmente pelas dívidas e falta de prestação de contas das instâncias inferiores dos partidos.
E, como corolário das maravilhas criadas pela nova legislação, abre-se a possibilidade de qualquer político obter o registro da candidatura mesmo que suas contas de campanhas anteriores não tenham sido aprovadas.
No momento em que a sociedade discute a conveniência de impedir o ingresso na vida pública de indivíduos com ficha suja na Justiça, e com as notícias dando conta da infiltração de representantes do crime organizado nas instituições políticas, a decisão do Congresso chega a parecer provocação.
Ao ser informado de que as mudanças na lei foram aprovadas diante dos narizes da imprensa, o leitor haverá de perguntar: o que houve com o velho faro dos jornalistas?