Apostando no pior
A imprensa tradicional do Brasil ainda não considera esgotado o filão do jornalismo de sacristia: desde duas semanas antes do primeiro turno das eleições até esta quarta-feira, jornais, revistas e programas noticiosos de rádio e televisão repetiram incessantemente frases dos dois principais candidatos à Presidência da República sobre a questão do aborto.
Mas não se viu nesse amplo material uma reportagem ou artigo relacionando o tema a questões sociais ou de saúde pública.
A intenção não é esclarecer, ou fazer avançar o debate. O interesse é interferir na disputa, preferencialmente reproduzindo incessantemente frases fora de seu contexto, com o propósito de manter o assunto em evidência, numa atmosfera de obscuridade, até o dia 31.
A revista Época desta semana bem que tentou fazer algum esclarecimento, diferenciando, por exemplo, o eleitorado católico, menos submetido à influência dos sacerdotes, dos evangélicos, que passam mais tempo dentro das igrejas, vivem em círculos sociais mais fechados, como irmandades, e são mais submissos à pregação dos pastores.
Errou apenas em um aspecto: não se trata de uma questão de fé, mas de ignorância e preconceito.
No cenário geral, a imprensa de alcance nacional continuou apostanto na desinformação.
Paralelamente, alguns institutos de pesquisa passaram as últimas semanas fornecendo material para os coordenadores de campanhas sobre os efeitos do debate interminável e propositalmente inconcluso promovido pela imprensa.
Curiosamente, alguns articulistas volta e meia criticam o baixo nível do debate, sem levar em conta, ou fingindo não perceber que é a própria imprensa que alimenta esse círculo vicioso de desinformação.
A quem interessa manter a campanha no nível das crendices e do preconceito?
A julgar pela insistência da mídia em manter o debate na superfície, o objetivo é mudar a tendência que aparece nas pesquisas de intenção de voto.
Não importa que para isso tenha que valorizar o que há de pior na sociedade: a intolerância.
Com medo da regulação
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Dedicados à cobertura do processo eleitoral, os jornais ditos nacionais não deram seguimento ao noticiário a respeito das gestões do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, para a realização do seminário internacional “Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação” – marcado para 9 e 10 de novembro, em Brasília. Mas, a julgar pelo teor dos títulos e pelos editoriais que suscitou, o assunto deverá voltar com força à pauta tão logo se conheçam os resultados da votação do segundo turno da eleição presidencial.
O gancho do noticiário publicado na sexta-feira passada, e dos editoriais dados no sábado e no domingo, foi a viagem do ministro Franklin à Europa para se inteirar dos modelos de regulação da mídia ali postos em prática e, de quebra, formalizar convites a participantes do seminário agendado para novembro. Os movimentos do ministro foram tratados com evidente má vontade pelos três principais jornais brasileiros, que viram nisso mais um lance na direção de uma pretensa intenção do governo de, abre aspas, “controlar a mídia” (ver aqui). Pode até ser que alguns militantes delirantes encastelados na máquina estatal acalentem o sonho de constituir uma espécie de “tribunal da mídia”, mas daí a imaginar que o delírio deverá converter-se em política pública vai uma distância galáctica.
O problema é que a mídia brasileira não quer ouvir falar em regulação de qualquer espécie, sobretudo em uma regulação democrática, pois se acostumou ao padrão de promiscuidade vigente nessa área.
Aqui, a concentração é visível e a propriedade cruzada, uma farra. Sem contar a desfaçatez de se admitir conceder frequências de radiodifusão a políticos com mandato – ou a seus “laranjas”. Não se tem notícia, por exemplo, que entre os convidados do seminário estará algum representante da Federal Communications Commission, o ente regulador das telecomunicações e da radiodifusão nos Estados Unidos. Criada em 1934, a FCC é uma vigilante implacável contra abusos da propriedade cruzada. E seria um avanço histórico se essa moda pegasse no Brasil.