As águas ideológicas
A suspensão do leilão para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, concedida pela segunda vez por um juiz de Altamira, no Pará, e a decisão do governo de manter o leilão marcado para esta terça-feira, induzem os jornais a produzir um farto material sobre a obra polêmica.
Após meses de notícias fragmentadas, que deram vazão a todo tipo de opinião, inclusive de um diretor de cinema americano que nunca havia pisado em solo brasileiro, a imprensa finalmente produz um bom material informativo que ajuda o leitor a entender a complexidade do assunto.
Em primeiro lugar, nenhum dos grandes diários discute a necessidade de ampliar a infraestrutura nacional de energia, não apenas em função do estado atual da nossa economia, mas principalmente tendo em vista o esperado crescimento anual do país no futuro próximo, em torno de 6% do PIB.
Por outro lado, desapareceram os que defendiam a substituição da usina de Belo Monte por pequenas geradoras movidas a óleo, porque ninguém em sã consciência admitiria dar um passo atrás na questão ambiental.
O Brasil tem cerca de 90% de sua geração energética baseada em centrais hidrelétricas, o que o torna um dos poucos países capazes de fornecer energia de fonte renovável, que é mais barata e praticamente inerte em relação à produção de gases do efeito estufa.
O centro do debate passou a conter três vertentes: uma delas envolve desafios ambientais e sociais, com a possibilidade de a obra vir a prejudicar comunidades indígenas e afetar a vazão do Xingu e alguns afluentes.
Outra vertente diz respeito a questões técnicas. Pelo fato de o rio Xingu ter normalmente sua vazão reduzida no período das secas, argumenta-se que a usina perderia sua eficiência no segundo semestre, todos os anos, exigindo o complemento de outras fontes para manter o fornecimento de energia.
Mas o terceiro ponto de discórdia é o modelo de negócio, que envolve a velha discussão sobre o papel do Estado na economia.
Essa terceira vertente da polêmica é causada pela obsessão do atual governo em assegurar o fornecimento de eletricidade a preços baixos, o que provocou a desistência de um dos principais consórcios de construtoras interessadas na obra, e levou o governo a oferecer um pacote de benefícios fiscais generosos para manter o interesse de pelo menos dois concorrentes.
Como as empresas privadas acham baixo o preço fixado para o fornecimento de energia, o governo entrou pesado, com o BNDES, fundos de pensão e o Grupo Eletrobrás, para viabilizar a obra.
Os defensores da tese do Estado mínimo ficaram arrepiados.
E as águas do Xingu invadiram o debate eleitoral.
50 anos de Brasília
Depois de meses sendo citada no noticiário como cenário de um dos mais ruidosos escândalos de corrupção na política, a capital federal se aproxima da data comemorativa dos seus cinqüenta anos de fundação.
Alberto Dines:
– A imprensa teve um papel crucial na criação de Brasília. E não apenas para mobilizar a sociedade brasileira para a grande empreitada. Mesmo depois da posse, o presidente JK foi submetido a uma forte pressão por parte dos veículos oposicionistas. A manchete de um vespertino impresso no centro da cidade levava imediatamente multidões para a porta do palácio do Catete ou para as escadarias da Câmara dos Deputados. Uma manifestação de estudantes não parava apenas a cidade, afetava o país inteiro.
A mudança da capital diminuiria a pressão das ruas, mesmo que o beneficiário fosse o seu sucessor. Otimista e habilidoso, JK conseguiu vencer as resistências dos principais jornais e revistas e quando as obras já estavam em curso, começou a empolgação.
Foi um dos períodos mais férteis da cultura brasileira. O Observatório da Imprensa inicia hoje mais uma serie especial em comemoração aos 50 anos da criação de Brasília. Excepcionalmente às 22:30 pela TV-Brasil em rede nacional. Em S. Paulo, pelo Canal 4 da Net e 181 da TVA.