As leis da guerra
Seguimos conversando com João Paulo Charleaux, editor assistente do jornal O Estado de S.Paulo e ex-assessor da Cruz Vermelha, sobre a cobertura jornalística dos conflitos armados e situações de guerra.
Observatório da Imprensa: – João Paulo, você concorda com certas críticas de que a imprensa segue vendo o mundo em preto e branco, ignorando a nova geopolítica internacional?
João Paulo Charleaux: – Eu diria duas coisas. Umas é que eu não sei se essa geopolítica antiga está superada. Quando a gente observa os movimentos da Rússia recentemente a gente começa a pensar que talvez o mundo não tenha mudado tanto. Basta citar a ameaça de instalar um anti-anti-escudo anti-mísseis na Europa, a ameaça americana de colocar um escudo anti-mísseis na Polônia, os movimentos da Marinha russa na costa do Caribe, a reativação da quarta frota, tudo isso faz lembrar um pouco a Guerra Fria. É natural que haja esse questionamento: será que esses países mudaram realmente ou será que ainda têm uma dinâmica antiga que preocupa a região? Agora, outra coisa, que eu acho que é um fato novo, foi o crescimento dos atores não-estatais. Antes você tinha basicamente países que tinham inclinações políticas e econômicas, para cá ou para lá, que determinavam o tabuleiro internacional. Agora você tem uma miríade de atores não-estatais, Taleban, Al Qaeda, esse pessoal da Índia, você tem uma infinitude de grupos.
OI: – E os piratas na África.
J.P.C.: – Pois é. Mas é um fenômeno diferente. É um fenômeno mais bem criminal. Agora, os outros grupos são grupos que têm uma pretensão politica, mas não têm uma pretensão estatal, às vezes. Não querem ser o estado, não querem substituir o governo. Muitas vezes é quase anárquica a coisa ou puramente religiosa.
OI: – Portanto, os acordos internacionais não têm valor nenhum.
J.P.C.: – Eu não faço essa afirmação, porque inclusive isso depõe contra o direito dessas pessoas no momento em que são capturadas, por exemplo; que é todo o fenômeno de Guatánamo. Dizer que o mundo sem lei ou que as leis não valem mais… Um amigo meu em Genebra dizia uma coisa que resume muito bem: não é porque as pessoas desobedecem as leis de trânsito que a gente vai abolir as leis de trânsito. A saída não é essa. Pelo contrário. É você aumentar a fiscalização, aumentar a informação.
OI: – Eu vou refazer a pergunta. Eu acho que foi mal elaborada. Em um momento, no ponto do conflito, um dos lados é obrigado a atender as leis internacionais e o outro lado não se vê obrigado a atender.
J.P.C.: – Eu prefiro falar das garantias mínimas: que é a proibição da tortura, proibição da execução extra-judicial, probição de tratamento desumano, proibição de ataque a crianças, mulheres, pessoas que não participam da guerra. Essas obrigações, a gente não precisa ter muita discussão intelectual a respeito do direito, nem nada do tipo, mas são garantias básicas que todos deveriam respeitar, sejam eles estados ou outros grupos armados. São coisas tão básicas, que qualquer religião no mundo, qualquer cultura, entende.
OI: – Certo. Mas os chefes do tráfico, os senhores da guerra na África, Al Qaeda, Taleban e até os militares de Guantánamo parecem não acreditar muito nisso.
Seguimos conversando com João Paulo Charleaux, que foi assessor da Cruz Vermelha Internacional.
OI: – João Paulo, o recrudescimento de conflitos internos que não são regidos pelas leis internacionais e de conflitos internacionais com esses protagonistas que não atendem ao direito internacional exigem uma postura diferente do jornalista, não?
J.P.C.: – É. Eu acho que já não é mais uma questão de direito formal. Tem um direito à proteção, senão que é questão de conseguir uma proteção real, efetiva. Tem mais a ver com as condições concretas do lugar, conhecer como aquele grupo funciona, que leis imperam ali, o que você pode e o que você não pode fazer. Esse conhecimento não está em nenhum manual, geralmente. O que seria bom que acontecesse é que o os jornalistas que cobrem esses assuntos tivessem algum fórum de debate, algum fórum de troca de experiência, alguma maneira de aumentar o conhecimento sobre o que é seguro e o que não é seguro na cobertura desse tema. Nesse sentido, tem alguns, o INSI tem feito isso, a Cruz Vermelha também em São Paulo há sete anos faz, cursos onde os profissionais se encontram para debater suas experiências a respeito desse tema. A última edição teve o Marcelo Moreira, que foi o produtor do Tim Lopes, e ele é um cara que tem um esforço muito grande, dentro da empresa, e na imprensa em geral, de como aumentar a segurança dos jornalistas que cobrem esses grupos.
OI: – Isso impõe o estabelecimento de alguns protocolos…
J.P.C.: – Existem alguns procedimentos que podem minimizar o risco. Um deles, é um serviço para quem estiver ouvindo e eventualmente trabalha com essas coisas, o que se recomenda, por exemplo, é combinar horários fixos de contato com a redação, ou com o editor, ou com alguém que seja responsável pela segurança. A cada quinze minutos eu vou telefonar e se eu não telefonar nesse intervalo é porque provavelmente algo aconteceu. A outra é saber se o motorista que leva, por exemplo, conhece a região, é uma pessoa que sabe dirigir bem, que deixa o carro em um local acessível e que possa sair rapidamente – não deixe o carro encalacrado em um beco ou atrás de um outro veículo -, saber se é um lugar onde a empresa pode ir identificada ou não. Agora não Rio de Janeiro existem protocolos com relação a carro blindado, colete à prova de bala. Outros conhecimentos é sobre que superfícies oferecem proteção contra disparos de armas de fogo, contra pistola ou contra fuzil, se eu me protejo atrás de um poste, se eu deito no chão, se eu tento correr, se eu me escondo atrás de um barraco, de uma caçamba de disque-entulho… É uma centena de pequenas coisas que, se você conhece, minimizam o risco de morte para o jornalista.
OI: – Obrigado, João Paulo.
Essa foi mais uma seqüência de nossa conversa com João Paulo Charleaux, que foi assessor da Cruz Vermelha Internacional. Um bom Natal para todos e voltamos na sexta-feira como Observatório da Imprensa.