Os jornais de sexta-feira (19/6) tratam como saga a barafunda em que se meteram senadores brasileiros que tentavam intervir em problemas internos da Venezuela. Como se sabe, os parlamentares liderados pelo senador Aécio Neves, do PSDB, candidato derrotado à Presidência da República em 2014, voaram até a capital venezuelana mas não puderam sair da região do aeroporto, que foi bloqueada por manifestantes e agentes de trânsito.
A viagem, em avião da Força Aérea Brasileira, tinha como objetivo oficial uma visita a opositores do governo de Nicolás Maduro que se encontram detidos ou em prisão domiciliar, acusados de organizar protestos violentos contra o regime “bolivariano”. Em termos comparativos, seria o equivalente a ter um senador brasileiro privado de sua liberdade por haver estimulado manifestantes que pregam o golpe militar.
Formalmente, pode-se admitir que a comitiva se encontrava em missão humanitária, com o propósito de averiguar as condições dos venezuelanos perseguidos pelo governo de Maduro, um dos quais, segundo se noticia, estaria em greve de fome. Mas, dado o contexto de confrontação política que se vive no Brasil, não se pode descartar a hipótese de que se tratava de uma versão aérea da “coluna Aécio”, que se desmanchou pateticamente na Praça dos Três Poderes no dia 27 de maio (ver aqui).
O governo brasileiro reagiu formalmente, em termos diplomáticos, ao que se considerou um constrangimento a parlamentares nacionais que usavam uma aeronave da FAB. Mas o incidente não deve passar desses protocolos.
A rigor, também para a chamada opinião pública tanto faz se a comitiva foi vítima de truculência ou se foi se meter em assunto afeto à soberania do país vizinho – aquela parcela da população que acredita em tudo que sai na imprensa vai continuar pensando que a Venezuela é governada por uma tirania comunista.
Interessante é notar a cautela das principais lideranças do PSDB, que observam com certo embaraço a nova bravataria do ex-governador mineiro e seu fiel escudeiro, o senador paulista Aloysio Nunes Ferreira, duas das vozes mais radicais da oposição. Na disputa interna pela candidatura presidencial do partido em 2018, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ganha pontos com essas trapalhadas de seu rival.
O ovo da serpente
Nas redes sociais, a iniciativa de Aécio e seus companheiros de voo é testada por perguntas provocativas. “Na próxima viagem, que tal ir resgatar o brasileiro Islã Hamed, que faz greve de fome há dois meses numa prisão da Palestina?”. “E se deputados venezuelanos viessem ao Brasil pedir a libertação de Vaccari?” No entanto, como se pode depreender em dois segundos de reflexão, não é disso que se trata.
A viagem dos senadores oposicionistas a Caracas é parte do programa de confrontação incessante com o governo petista, com a criação sucessiva de situações de crise. A tentativa de produzir um incidente internacional tem o propósito de alimentar a cultura do ódio no campo político e minar a governabilidade. O tempo e o espaço ocupados pela aventura da nova “coluna Aécio” são roubados de questões como o ajuste nas contas públicas e a redução da maioridade penal.
Por outro lado, pode-se afirmar que atos como esse estimulam a ação de radicais, no momento em que o governo, para atender a exigências de órgãos internacionais, se vê obrigado a se adequar apressadamente às normas do Conselho de Segurança das Nações Unidas para o combate ao terrorismo. Essa é uma nova frente na qual os setores reacionários do Congresso poderão confrontar o Executivo, pressionando para que movimentos sociais sejam criminalizados.
Não custa lembrar que, por conta das manifestações de rua iniciadas em 2013, três senadores propuseram transformar em crime de terrorismo os protestos durante a Copa do Mundo de 2014. Até mesmo um parlamentar petista, o senador Walter Pinheiro, da Bahia, entrou nessa canoa furada. Recentemente, este observador foi alertado para mensagens postadas no Facebook por um empresário e publicitário famoso, que pregava o assassinato de autoridades.
Consultada sobre a investigação de fatos como esse, a Agência Brasileira de Inteligência deu a seguinte resposta: “A área de Contraterrorismo da ABIN tem atuação ampla, que abrange não apenas ações de grupos terroristas publicamente estabelecidos. Atos de violência contra a sociedade cometidos por motivação política são também objeto de interesse desse departamento da ABIN”.
No contexto de radicalismos estimulado pelos pitbulls da mídia, a patética provocação dos senadores oposicionistas contribui para aquecer o ovo da serpente.