As pessoas de bem
As revistas semanais de informação deram sequência aos comentários sobre a moralidade política inaugurados por Veja.
Até mesmo a revista Época e a IstoÉ repercutiram o tema levantado por Veja com a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos na semana anterior.
No entanto, apenas IstoÉ abriu o leque, citando de modo geral “os fichas sujas do Congreso”, alinhando os sete senadores e 38 deputados que respondem a processos no Supremo Tribunal Federal.
Ainda assim, reunido todo o material publicado durante os dias de carnaval, o leitor fica com a sensação de que falta alguma coisa.
Esse sentimento é induzido pela constatação de que a imprensa continua fazendo uma seleção arbitrária dos corruptos de plantão.
A leitura de Veja, por exemplo, induz o leitor a acreditar que existem duas bandas distintas de corruptos: os “nossos” e os “deles”, do ponto de vista dos editores.
A revista apresenta um levantamento do crescimento do patrimônio de algumas figuras notórias do PMDB, restringindo a esse partido a análise do fenômeno da corrupção no Congresso.
E avança ligeiramente sobre a origem dos desmandos, nas eleições municipais.
Embora afirme ligeiramente que a corrupção está presente em todos os partidos – o que é uma injustiça literal, por faltar com as evidências – a reportagem de Veja centra fogo apenas no PMDB.
Mas não em todo o PMDB – e como se sabe, existem sempre dois PMDBs.
Se pretendia mesmo fazer uma radiografia da corrupção, como anuncia em sua capa, a revista poderia ir bem mais fundo, pois material de pesquisa não falta.
Da forma como o tema foi abordado, e seguindo a repercussão oferecida nos últimos dias pelos jornais, algum leitor distraído pode se induzido a acreditar que a imprensa brasileira é o último refúgio da moralidade política, e que a corrupção tem indicadores de nível conforme o perfil ideológico do corrupto, ou conforme o grupo político com o qual ele se identifica.
Todos sabemos que muitos “homens de bem” poupados do noticiário sobre corrupção estariam mais bem retratados na editoria de polícia do que na de política.
Reescrevendo a história
Passados quase dez dias, a Folha de S.Paulo segue provocando debates por causa da revisão histórica que seus editorialistas resolveram oferecer à Nação.
Segundo o jornal que se apresenta como “o maior do País”, o regime de exceção imposto ao Brasil entre 1964 e 1985 não foi uma ditadura.
No trocadilho infeliz escolhido pelo redator que expõe as opiniões do diretor responsável do jornal, o Brasil passou por uma “ditabranda”.
Os argumentos já alinhavados pela internet, alguns deles publicados na seção de cartas da Folha, bastariam para qualificar tal afirmação como mera e desrespeitosa aleivosia.
Mas preocupa os observadores da imprensa que um jornal alinhado entre os mais influentes do País venha a propor semelhante jogo de palavras sobre tema a respeito do qual não há como tergiversar.
A Folha tem há algum tempo a mania dos “rankings” e das tabelas classificatórias, mas não há como fazer uma lista classificatórias de horrores.
Comparar a ditadura brasileira com a chilena ou a argentina seria o mesmo que comparar o terror nazista com os horrores do estalinismo, dizendo que este ou aquele pode ser mais aceitável.
A Folha foi o jornal brasileiro que mais se entusiasmou com as idéias do economista americano Francis Fukuyama, que no fim dos anos 1980 anunciou o “fim da História”.
Também foi o jornal que abrigou sem reservas as teses de que existe uma tal pós modernidade.
Mas não há como fugir da História.
Não é com a negação que a Folha vai escapar da verdade segundo a qual foi um dos jornais que mais colaboraram com a ditadura militar, inclusive contratando policiais para trabalhar como jornalistas na década de 1970.
Ao desrespeitar os mortos dos regime de exceção, o jornal faz lembrar seu próprio comportamento durante os anos de chumbo.
A reação, tardia, e a luta pela redemocratização, foi liderada por repórteres e alguns editores, inicialmente à revelia da direção do jornal.
Quem se aventura a reescrever a História se arrisca a ser julgado por ela.
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