Ausência da Globo fez diferença
A campanha do Sim pode ter sido derrotada, entre outras coisas, por uma deliberação do Tribunal Superior Eleitoral que proibiu emissoras de rádio e televisão de dar opinião, como se o referendo fosse uma eleição com características político-partidárias. O principal veículo de comunicação do país, a TV Globo, era o grande trunfo dos defensores do Sim, e foi obrigada a recolher suas armas de persuasão.
Existe agora uma oportunidade para que se discuta com mais objetividade a política de segurança pública. Mas isso vai depender em primeiro lugar do trabalho da imprensa. Não há proibição para uma cobertura competente, e não sensacionalista, do assunto.
Pesquisas derrotadas
Os institutos de pesquisa Ibope e Datafolha também foram grandes derrotados no referendo de ontem. Ambos davam ao Não de 55% a 57% dos votos válidos e ao Sim, de 43% a 45% por cento.
A diferença para o resultado final, que foi de 64 por cento a 36 por cento, na média nacional, talvez se explique pelo número de pessoas que foram enganadas pela pergunta mal formulada. Muita gente pode ter votado no número 1 pensando que estava respondendo Sim à pergunta.
Não é brincadeira
O Alberto Dines critica a idéia de que o referendo tenha sido uma brincadeira. Fala, Dines:
Dines:
– Mauro: tudo indica que temos um novo semanário de humor no mercado. Sabe o nome? Veja. Pois é: a edição do último fim de semana é uma piada. Olha o título da matéria: “Depois de brincar de referendo… É hora de falar sério”. Os diretores do semanário estavam brincando quando produziram aquele panfleto sobre a 7 razões para votar “não”? Se estavam brincando deveriam ter avisado para que não levássemos a sério aquela desastrada capa do semanário. Mas não contente com a primeira brincadeira, Veja gasta mais oito páginas oferecendo “sete soluções contra o crime” – uma coleção de sete obviedades tão ululantes e tão quiméricas que não podem ser levadas a sério.
Não é por falta de soluções que o crime está ganhando a guerra contra o Brasil. É por falta de governantes, é por falta de legisladores e magistrados. Veja esqueceu deste detalhe. O “não” de ontem, evidentemente, não foi a melhor solução para enfrentar a violência mas pelo menos mostrou uma sociedade que leva a sério seus deveres. Ao contrário daqueles incumbidos de informá-la.
Coronelismo eletrônico…
Amanhã, o Projor, Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, responsável por este Observatório, terá audiência com o vice-procurador geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, para entregar uma representação destinada a contestar a promiscuidade entre concessões públicas de rádio e televisão e mandatos parlamentares. A advogada Taís Gasparian, que levará o documento à Procuradoria Geral da República, em Brasília, fala da representação:
Taís:
– O Projor realizou há pouco tempo atrás uma pesquisa visando ao aprimoramento do jornalismo, e reuniu com essa pesquisa diversos indícios de que deputados e senadores são concessionários de rádio e televisão. Isso já fere dispositivo constitucional. E, mais grave ainda, que esses próprios deputados que são concessionários de rádio e televisão participaram de reuniões da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, e da Comissão de Educação do Senado Federal, comissões que são responsáveis justamente pela renovação e homologação das concessões de rádio e TV.
Mauro:
– Taís Gasparian explica que o artigo 54 da Constituição proíbe que deputados e senadores firmem ou mantenham contato ou exerçam cargo ou função ou emprego remunerado em empresa concessionária de serviço público, como são as emissoras de rádio e televisão. A punição chega até a perda de mandato.
… Na Europa também
Reportagem do Jornal do Brasil de ontem mostrou que os critérios de concessão de canais de televisão provocam sérios problemas também na Europa. O caso mais grave é o da Itália, onde o primeiro-ministro Silvio Berlusconi é ao mesmo tempo sócio majoritário do canal Mediaset e, como chefe do governo, tem grande poder sobre o canal estatal RAI.
Programa sobre Herzog
Amanhã o programa de televisão do Observatório da Imprensa será transmitido em conjunto com programação da TV Cultura dedicada a homenagear o jornalista Vladimir Herzog, assassinado sob tortura há 30 anos. Ontem foi realizado ato inter-religiões na Catedral da Sé. A Folha de S. Paulo e o Estado publicaram reportagens importantes sobre o assunto, ignorado pelas revistas semanais, pelo Globo e pelo Jornal do Brasil.