Balanço dos erros
O Globo traz hoje uma reportagem que faz pensar no papel da imprensa e nos critérios para a escolha dos conteúdos que são levados ao conhecimento público.
O jornal carioca faz um interessante balanço dos erros cometidos por economistas e outros especialistas que se habilitaram, um ano atrás, a desenhar cenários para o ano que se encerra.
Um dos exemplos citados é o do câmbio: no final de 2007, a maioria das apostas publicadas pela imprensa afirmava que o dólar estaria valendo cerca de R$ 1,80 em dezembro de 2008. Como se sabe, a moeda americana estava cotada ontem em R$ 2,41.
A justificativa mais comum para erros tão gritantes é a eclosão da crise financeira internacional.
Ora, mas não seria de se perguntar, afinal, para que servem os profetas da economia, se são incapazes de enxergar uma crise tão grave num horizonte de um ano?
As diferenças sociais geram crises políticas e econômicas, o crescimento desordenado provoca tantas migrações descontroladas quanto a estagnação econômica e, em geral, após um período de bons resultados, os aplicadores mandam para casa boa parte de seus ganhos, como ocorreu com a remessa de lucros de investidores estrangeiros no Brasil.
Da mesma forma, os ganhos sociais aumentam o número de consumidores de determinados gêneros, o que torna surpreendente o fato de praticamente nenhum especialista ter previsto a inflação de alimentos.
Por outro lado, os adivinhadores também erraram nas previsões sobre a gravidade e a extensão do surto inflacionário.
Alguns dos erros de previsão podem ser debitados à própria imprevisibilidade de certos fenômenos sociais e econômicos, mas outros nasceram claramente de um viés muito conhecido entre as fontes prediletas da imprensa brasileira.
Por exemplo, quando a maioria dos economistas midiáticos cobrava índices de crescimento próximos aos indicadores chineses e indianos, eles previam que o Produto Interno Bruto no Brasil cresceria 4,5%. Influenciados pelos analistas privados, os economistas do Banco Central cravaram a mesma aposta.
O PIB brasileiro em 2008 está sendo estimado em 5,6%, e poderia ter passado de 6% se não fossem os efeitos da crise e do noticiário sobre a crise.
Nesta semana, jornais e revistas fazem as tradicionais perspectivas para o ano novo.
Mas os profetas já estão desmoralizados.
Felicidade bruta
No reverso da linguagem econômica predominante na imprensa, a Folha de S.Paulo traz hoje uma reportagem sobre o conceito de Felicidade Interna Bruta, o FIB, inventado no reino do Butão, um minúsculo país incrustado nas encostas do Himalaia.
Ainda antes da eclosão da crise financeira internacional, lideranças políticas de vários países e até mesmo a ONU vinham questionando a utilização do Produto Interno Bruto como critério único e principal para medir o desenvolvimento.
Há três anos, um grupo de estudiosos realizou uma conferência em São Paulo, da qual participaram líderes mundiais, sobre a necessidade de criar indicadores capazes de medir a sustentabilidade dos processos econômicos e o desenvolvimento no longo prazo.
O conceito de Felicidade Interna Bruta se inclui nas discussões sobre o significado do desenvolvimento e vem ganhando adeptos importantes em vários países.
Embora os especialistas observem que muitos elementos do que compõe a percepção de felicidade são intangíveis, até mesmo a ONU já vem tentando superar as limitações do PIB, desde que foi criado, nos anos 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano, que leva em conta o PIB per capita como principal parâmetro de desenvolvimento, acrescentando ainda indicadores como nível de educação e longevidade da população.
A imagem escolhida pelos editores da Folha – a fotografia de um monge rezando diante de um altar budista na capital do Butão – induz o leitor a relacionar a tese da Felicidade Interna Bruta aos movimentos alternativos dos anos 70.
No entanto, apesar de ser criticado como uma visão pouco econômica e muito próxima do esoterismo, o conceito representa uma etapa importante no movimento que tenta tirar as decisões sobre o destino da sociedade das mãos de gurus de outra espécie – aqueles que justificaram o fundamentalismo de mercado até setembro deste ano, quando o castelo de cartas do liberalismo econômico desabou fragorosamente.
O que estamos assistindo neste momento é parte do desmanche das teorias que fizeram a glória de dirigentes como Margareth Thatcher e Ronald Reagan, nos anos 1980, e que tiveram no quase ex-presidente George W. Bush uma de suas inteligências mais luminosas.
O conceito de Felicidade Interna Bruta é parte da reação humanista contra a desumanidade do sistema econômico que vive sua crise mais profunda neste ano que se encerra.