Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

>>Cobertor curto
>>Ilha da Fantasia

Cobertor curto


A extensão e a gravidade da crise do “mensalão” são um desafio para a imprensa. Torna-se cada vez mais difícil coordenar e articular as informações sobre problemas e denúncias. No dia-a-dia, há hoje o noticiário sobre um Sete de Setembro civicamente esvaziado e politicamente marcado pelo contraste entre partidários e adversários do governo. Sobre um discurso do presidente da República que revela insistência num caminho que só complica o quadro. Sobre as contradições de Severino Cavalcanti em Nova York.


Nesta quinta-feira, 8 de setembro, poderá haver depoimento do dono de restaurante que teria contrato de gaveta com o deputado Severino Cavalcanti, revelado pelo serviço online da Veja. Nos próximos dias virão as antecipações sobre o que poderá acontecer na sessão da Câmara em que será votado o pedido de cassação de Roberto Jefferson, na semana que vem. O caso Maluf prossegue.


Enquanto isso, desaparecem momentaneamente do horizonte assuntos como o assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel. O cobertor é curto.


Não é só a economia


Relações de causa e efeito usadas com a maior convicção para condenar a política de metas de inflação, da qual decorrem os juros altos, estão sendo desmentidas pelos fatos. Previsões de crescimento do PIB são alteradas para melhor. Mas seria um equívoco imaginar que êxitos econômicos possam encobrir malfeitos políticos e administrativos.


Ilha da Fantasia


Por um problema técnico, o Alberto Dines não pode estar conosco de viva voz. Mas ele mandou uma mensagem sobre a fala presidencial de ontem, que passo a ler:


“Todo mundo sabe que o panorama visto dos palácios do poder é diferente do que ocorre no nível da rua. Governantes sempre se referem a uma realidade que muito raramente confere com a realidade do cidadão comum. Nesta era da informação a grande vítima tem sido a própria informação, sobretudo quando usada pelo poder político.


Ontem tivemos um exemplo disso quando, nas horas finais do Dia da Pátria, o presidente Lula nos transportou a um outro mundo com seu pronunciamento pela cadeia nacional de rádio e TV. Anunciou façanhas socioeconômicas, fez promessas no âmbito do que chamou de turbulência política que contradizem frontalmente o que foi apresentado pelos jornais minutos antes e minutos depois da fala presidencial. Quando adverte que punirá severamente os culpados, doa a quem doer, o chefe da nação imagina que os telespectadores ignoram que quem está segurando Severino Cavalcanti na presidência da Câmara é o governo e seus aliados.


Os estrategistas de marketing e comunicação têm sempre uma lógica. Mas desta vez essa lógica parece destinada a nos remeter a uma ilha da fantasia que só existe nos seriados.”


A Globo reprisou


Para quem diz que a Rede Globo faz parte de uma conspiração das elites contra o governo Lula e o PT, a maneira inteiramente acrítica como foi apresentada a fala presidencial é um desmentido categórico. Na Band e na Cultura houve comentários. A Globo praticamente reprisou os seis minutos de fala presidencial. O horário das oito da noite se prestou perfeitamente a isso.


Hoje, os principais jornais dão sem destaque na capa versões declaratórias do pronunciamento de Lula. A exceção foi, mais uma vez, o Jornal do Brasil, que escreveu na manchete: Lula abusa da retórica. Dixit.


Duas culturas


O antropólogo Roberto DaMatta passou 17 anos como professor na universidade americana de Notre Dame. Um dos resultados dessa experiência é o livro Tocquevilleanas, Notícias da América, lançado em junho. Uma coletânea de crônicas, publicadas em boa parte no Estadão, em que DaMatta faz comparações entre as sociedades americana e brasileira.


Ontem, Roberto DaMatta, que agora dá aulas na PUC do Rio de Janeiro, comentou por telefone a presença do presidente George W. Bush em Nova Orleans e da secretária de Estado, Condoleezza Rice, na região. Disse que “Bush é um reacionário, um <cavernário>, mas foi lá pessoalmente”. Para DaMatta, o gesto de Condoleezza tem a mesma natureza. Isso, na opinião do antropólogo, não deve ser interpretado como mera jogada de relações públicas. “No Brasil”, disse Roberto DaMatta, ‘nem Lula nem Fernando Henrique Cardoso foram vistos visitando vítimas de enchentes”. Por trás desses comportamentos estão diferenças marcantes entre as duas sociedades.