Complexo de vira-lata
O noticiário dos jornais brasileiros sobre a crise em Honduras se tornou mais fragmentado nos últimos dias, o que provoca certo distanciamento das questões centrais que o episódio revela.
O quadro “perguntas e respostas”, publicado nesta quarta-feira pela Folha de S.Paulo, esclarece alguns pontos, para quem andou perdendo o fio da meada, mas ainda assim falta o essencial: explicar o pano de fundo, o que mudou nas relações entre os países do continente e principalmente o novo papel do Brasil nesse cenário.
Também não estão muito claras as razões das oscilações no comportamento do governo dos Estados Unidos, que entrou em contradição no começo da semana e aparentemente recua no seu histórico papel de mediador de conflitos na região.
A revista Veja tentou fazer um apanhado geral, oferecendo a seus leitores uma visão mais ampla do conflito, como convém a uma revista semanal de informações, mas acaba por tropeçar em sua incapacidade de analisar com isenção qualquer tema que envolva controvérsias políticas.
Interessada a priori em demonstrar que o governo brasileiro agiu sob o comando do venezuelano Hugo Chávez, a publicação de maior circulação do País acaba contaminando toda sua reportagem com o velho complexo de vira-lata e perde a oportunidade de contribuir para o entendimento do caso.
As últimas notícias publicadas pelos diários e atualizadas pela internet dão conta de que a presença de Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa foi um fator essencial para desmanchar a coesão do grupo golpista.
A posição firme do Brasil, exigindo que a ONU e a OEA se manifestassem contra as ameaças de invasão da representação diplomática, levou o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Honduras a se eximir de responsabilidades pelo golpe.
Em seguida, representantes do empresariado que também haviam dado suporte ao deputado Roberto Micheletti, que assumiu a presidência, e a Igreja católica, que o havia apoiado, passaram a defender a restituição do poder a Zelaya.
A revista Veja, claramente, e alguns jornais, de maneira mais dissimulada, não aceitam que o Brasil se torne protagonista central na defesa da ordem institucional na América Latina.
A imprensa, ou parte dela, parece preferir os velhos tempos, quando éramos nada mais do que um quintal dos Estados Unidos.
A máfia dos ficha-suja
Os jornais desta quarta-feira acompanham a trajetória do projeto de iniciativa popular que pretende barrar as candidaturas de políticos condenados pela Justiça em primeira instância, ou com denúncia recebida por tribunal, por crimes como racismo, narcotráfico, genocídio, desvio de verbas e outros delitos graves.
A proposta foi protocolada na terça-feira na Câmara dos Deputados, acompanhada por cerca de 1 milhão e 300 mil assinaturas, e mereceu a pompa e a circunstância da presença do presidente da Casa, deputado Michel Temer.
Mas o Estado de S.Paulo avisa, no título da reportagem: “Temer já quer aliviar a barreira a ficha-suja”.
A iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que reúne 43 entidades civis, provavelmente vai ficar mofando numa gaveta até a próxima leva de escândalos.
A menos, é claro, que a imprensa resolva tomar para si a defesa do movimento.
Mas os próprios jornais refletem as controvérsias que o assunto provoca.
Está profundamente incrustado no espírito da legislação brasileira o princípio segundo o qual todo cidadão é inocente até que se prove o contrário.
E, com a infinidade de recursos que a lei oferece, a condenação definitiva pode ser postergada de maneira quase vitalícia.
Se a imprensa não coloca em discussão o princípio que estimula o ingresso de criminosos na vida pública, pouco se poderá esperar de um projeto empurrado por um abaixo-assinado.
O texto foi avalizado por pelo menos vinte deputados e o presidente Michel Temer promete colocar em votação ainda neste ano, para valer já em 2010.
Mas acontece que dos 513 deputados e 81 senadores do Congresso Nacional, nada menos do que 152 respondem a processos no Supremo Tribunal Federal.
Alguém acredita que a máfia dos ficha-suja vai ficar esperando que ela seja aprovada?