Crime sem charme
No princípio era um grande caso internacional de espionagem industrial.
Talvez até mais do que isso: o crime poderia envolver a Halliburton, gigante americana de petróleo que teve como presidente o vice-presidente americano Dick Chenney.
E a Halliburton é aquela empresa que ganha dinheiro com a guerra do Iraque.
No outro lado da história, ecoava a notícia recente da descoberta, no Brasil, de um dos maiores campos de petróleo do mundo.
Com esse enredo cheio de fortes emoções, o leitor foi embalado durante mais de uma semana na novela do crime contra a Petrobras.
Já era, então, em muitas cabeças, um caso real de intriga internacional, talvez mais uma jogada do decadente imperialismo americano para impedir que, finalmente, o Brasil alcançasse seu futuro glorioso.
Os jornais de hoje revelam que a história é bem outra.
Quatro vigias foram presos, os computadores e discos rígidos que haviam sumido de um contêiner foram localizados, e a Polícia Federal conclui que se trata de furto comum.
Em vez de Dubai, atual sede da Halliburton, as investigações agora se concentram em lugares prosaicos como São Gonçalo, Parada de Lucas, Vila Kosmos.
Desapareceram as pistas que conduziam à Casa Branca, confirmou-se a verdade de que tudo termina em barracos dos subúrbios do Rio.
Os jornais foram induzidos pela Polícia Federal a acreditar num enredo fantasioso?
Provavelmente. Mas o leitor não espera que os jornais simplesmente repitam declarações.
É preciso conferir os dados, e se possível buscar fontes que não sejam apenas as oficiais.
Revendo o noticiário sobre o caso, o que aparece é um delegado afirmando que havia a possibilidade de pirataria ou de espionagem industrial, porque parte do material desaparecido guardava informações sobre estudos feitos no super poço da Bacia de Santos.
Nada além disso.
A versão que dominou a imprensa foi alimentada pelas fontes que a imprensa selecionou.
Mesmo a entrevista do presidente da República, dizendo que os computadores roubados continham dados de pesquisa importantes, não induzia a pensar que se tratasse de espionagem industrial. Lula afirmou, na ocasião, que os dados eram redundantes e que a Petrobras tinha cópias de tudo.
E a prova de que nenhum dos grandes jornais pensou seriamente na hipótese do crime comum pode ser vista ainda nas edições de hoje: todos eles vinham publicando o caso na editoria de Economia, não no caderno policial.
Gosto pelo escândalo? Talvez.
Mas há também aquela velha síndrome de vira-lata, que sempre ressurge quando se questiona a capacidade dos brasileiros de cuidar de seus próprios interesses.
O nome certo do terror
Não se pode afirmar que a imprensa brasileira é esquerdista.
Muito menos suspeitar que ela, de modo geral, seja simpatizante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Então, como explicar que os jornais sigam chamando as FARC de ‘guerrilha’?
Alberto Dines:
– A imprensa brasileira capitulou às exigências da FARC e continua designando como ‘guerrilheiros’ os terroristas que seqüestram inocentes e fazem chantagem com vidas humanas. Os dramáticos relatos dos quatro parlamentares colombianos liberados pelas FARC na quarta-feira sobre as condições de vida dos demais reféns na selva revelam barbaridades só comparáveis às cometidas pelos nazi-fascistas durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo assim, nossos editores não se comovem nem se indignam e insistem em classificar aqueles que perpetram tais barbaridades como ‘guerrilheiros’. A guerrilha não é moralmente condenável, não é crime, é uma forma de guerra não-convencional. Os maquis franceses eram guerrilheiros, assim também os partisans da Europa oriental e os partigiani italianos. Seus alvos eram as forças inimigas, não atacavam nem seqüestravam civis. As FARC há muito abandonaram a guerrilha, já não conseguem travar combates, fazem apenas terrorismo e terrorismo, por definição, é o emprego sistemático da violência contra inocentes para fins políticos. A libertação dos reféns na quarta-feira não foi ato humanitário, mas chantagem. Jornalistas não podem oferecer os seus leitores com conceitos enganosos, jornalistas não deveriam seqüestrar o sentido das palavras.