Criminosos com mandato
A votação do Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu anteontem não barrar a candidatura a cargos públicos de pessoas com ficha suja, não passou em branco.
Os jornais foram ouvir a opinião de juristas e entidades representativas da chamada sociedade civil e mantêm a questão em debate.
A Ordem dos Advogados do Brasil, o Movimento Voto Consciente e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil divulgaram manifestações afirmando que a Justiça Eleitoral não deveria liberar a candidatura de réus que aguardam julgamento de recurso e condenados em primeira ou segunda instância.
As três entidades fazem parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e prometem iniciar uma campanha para levar ao Congresso Nacional um projeto de mudança da legislação eleitoral.
O debate se baseia no princípio constitucional da presunção de inocência, pelo qual nenhum cidadão pode ter seus direitos restringidos enquanto não for definitivamente condenado.
O problema apontado pelas entidades é que, justamente os criminosos que procuram o abrigo de um cargo eletivo são os que contam com mais recursos para protelar uma decisão judicial desfavorável.
Enquanto isso, militam na política como supostos defensores dos interesses coletivos.
O presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, que foi voto vencido na terça-feira, faz hoje, pelos jornais, um apelo aos partidos políticos para que tenham rigor na escolha de seus candidatos.
Ele se reuniu com dirigentes partidários e lamentou a decisão do tribunal, de não barrar candidatos com ficha suja.
Presente entre os líderes de partidos, o representante do PTB, Roberto Jefferson, que se tornou notório no escândalo do caixa 2 em campanhas eleitorais, comemorou a decisão do TSE que deixa livre o caminho das urnas para candidatos suspeitos.
Segundo os jornais, Britto observou que desde a promulgação da Constituição, em 1988, os parlamentares evitam regulamentar a questão dos precedentes criminais dos candidatos.
Ele acha que deixar o problema nas mãos dos políticos significa apostar em que tudo vai continuar como está.
Se o presidente do TSE não conseguiu mudar as regras que permitem a eleição de representantes do crime organizado, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, Roberto Wider, anuncia hoje que vai continuar negando o registro de candidatura a pessoas com problemas na Justiça.
Conforme seu raciocício, se o candidato recorrer ao TSE e conseguir o registro, pelo menos a notícia de sua ficha suja vai ser do conhecimento público.
Se a imprensa fizer sua parte, é claro.
Fora do pacto
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral pretende juntar em seis meses o total de um milhão e meio de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que mude a legislação eleitoral.
Mas para isso, precisa de divulgação.
E a imprensa não tem dado apoio a esse tipo de iniciativa.
Provavelmente porque vê nesse recurso um risco potencial de estabelecimento de alguma forma direta de democracia.
Os coordenadores do movimento observam que, se até para prestar concurso público numa prefeitura do interior, é preciso apresentar a chamada folha corrida, não faz sentido permitir que candidatos com pendências na Justiça cheguem, por exemplo, ao Senado Federal.
O caminho sugerido pelo Tribunal Superior Eleitoral, de exigir maior rigor dos partidos na seleção de seus candidatos, já foi tentado pelas entidades.
No mês passado, o movimento conseguiu de seis partidos o compromisso de não darem legenda a candidatos acusados de crimes graves.
Os grandes partidos não aderiram à proposta.
E a imprensa não aderiu à campanha.
Como se sabe, conseguir um mandato político é uma das saídas mais comuns para indivíduos que buscam escapulir do Judiciário.
Uma vez eleito, fica mais fácil fugir do julgamento ou, pelo menos, protelar uma decisão desfavorável por causa do foro privilegiado.
Além disso, pode-se calcular o poder de pressão de um deputado ou senador sobre o juiz de uma comarca que deverá julgá-lo.
Todos esses argumentos têm sido ignorados pela imprensa.
Aliás, está em curso desde o ano passado uma campanha do Instituto Ethos, que propõe um pacto empresarial contra a corrupção.
Muitas empresas já aderiram, comprometendo-se a não pagar propina a agentes públicos e evitar relações com atos de improbidade na administração pública.
Estranhamente, nenhuma empresa jornalística aderiu a esse pacto.