Cuspindo na Justiça
Não há notícia hoje que retrate melhor o sistema legal do Brasil do que a da renúncia do deputado Ronaldo Cunha Lima, do PSDB da Paraíba.
Em 5 de dezembro de 1993, quando era governador do Estado, ele invadiu um restaurante em João Pessoa e disparou três tiros à queima-roupa contra seu adversário político Tarcísio Burity.
Burity ficou em coma durante dez dias, sobreviveu e veio a morrer dez anos depois, de causas naturais.
Ronaldo Cunha Lima usou a condição de governador e a Assembléia da Paraíba negou autorização para que fosse processado.
Depois, elegeu-se senador em 1995, e mais tarde foi eleito deputado federal por duas vezes para se beneficiar da prerrogativa do foro privilegiado.
Durante todo esse tempo, usou os artifícios legais para retardar o andamento do processo no Supremo Tribunal Federal.
Ontem, doze anos depois de iniciado, seu caso foi colocado na pauta de julgamentos do STF. Estava marcado para segunda-feira e o relator era o ministro Joaquim Barbosa, aquele do ‘mensalão’.
Com a renúncia ao mandato, Cunha Lima se torna um cidadão comum.
Seu processo terá que deixar o Supremo Tribunal Federal e vai começar do princípio na justiça paraibana.
Privilégio para tudo
Os jornais fariam um favor ao seus leitores se expusessem a longa lista de personalidades que se beneficiam do foro privilegiado e das infinitas possibilidades de recursos para escapar do julgamento.
Ou, pelo menos, dar mais repercussão ao debate sobre a conveniência de se manter o foro privilegiado no caso de crimes comuns.
Nas edições de hoje, apenas o Globo dá espaço para essa discussão, e a maioria dos parlamentares consultados se manifesta a favor da manutenção do privilégio apenas para delitos de opinião.
Cunha Lima apenas usou um direito que lhe dá a lei.
Ao renunciar, acrescentou aquela dose inevitável de demagogia.
Disse que estava abrindo mão de um privilégio para ser julgado pelo povo paraibano, ‘como um igual’.
O ex-deputado está carregado de razão.
O ministro do Supremo Tribunal Joaquim Barbosa considerou sua renúncia um escárnio contra a Justiça.
Talvez devesse considerar que o foro privilegiado, da maneira como estende um tapete de impunidades, é que representa um escárnio contra o resto da sociedade.
A imprensa de chuteiras
A Copa de 2014 é nossa. A corrupção no futebol também.
Dines:
– O entusiasmo da mídia ontem pela escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014 serviu para confirmar um diagnóstico elementar sobre o comportamento da mídia brasileira – quando se trata de futebol, nossos jornais e jornalistas são geralmente acríticos. Impera o oba-oba, o ‘vamos que vamos’, o ‘já ganhou’. Ninguém se aventura a confrontar a euforia. Óbvio, futebol é um big negócio e nenhum veículo tem a coragem de colocar o dedo nas suas grandes mazelas. Ontem, por exemplo, cobrou-se a ausência de Pelé na festa da FIFA e a infeliz provocação do presidente Lula aos vizinhos e ‘hermanos’ argentinos. O desafio de se criar em apenas sete anos uma malha de obras de infra-estrutura foi mencionado numa feliz manchete do Globo. Mas as suspeitas que pairam sobre a CBF ficaram totalmente eclipsadas. Os jornais registraram discretamente o pedido de abertura de uma CPMI sobre ‘lavagem de dinheiro’ no futebol brasileiro já assinado por 209 deputados e 38 senadores. Mas o mar de lama no qual se atola nosso futebol não se resume às operações financeiras irregulares na contratação de jogadores no exterior. A própria entidade – a CBF — que vai gerenciar o maior evento esportivo da atualidade precisa ser investigada. Antes que os bilhões de dólares desapareçam pelo ralo. A CBF e seu presidente, Ricardo Teixeira, infelizmente, não têm credibilidade para tocar um projeto desta magnitude sem os necessários controles. Essa é a verdade. Os diversos poderes da República precisam ser convocados por antecipação antes que seja tarde. A mídia sai sempre ganhando nas coberturas dos grandes eventos esportivos, ganhemos ou não ganhemos o caneco. Desta vez trata-se de evitar que um país democrático seja representado mundialmente por uma entidade autoritária, caudilhesca e sem qualquer apreço pela transparência. Uma coisa é certa: a partir de hoje a cobertura preparatória da Copa de 2014 deve sair das páginas de esporte freqüentadas por leitores que já acreditam que a Copa é nossa.
Luciano:
Migalhas de volta
Uma nota na edição de hoje do Globo informa que o procurador-geral do distrito de Nova York vai mandar de volta para o Brasil 1 milhão e 600 mil dólares enviados irregularmente por doleiros para os Estados Unidos.
A devolução é parte do dinheiro desviado por mais de uma centena de políticos, empresários e personalidades brasileiras através do esquema que ficou conhecido como o caso Banestado.
No total, o desvio é calculado em 1 bilhão e 600 milhões de dólares.
O fato de que uma fração de 0,1 por cento desse total esteja sendo devolvida ao Brasil já é motivo de comemoração.
Mas bem que a imprensa poderia refrescar a memória dos brasileiros sobre o escândalo. Alguns dos personagens da história continuam brilhando no noticiário político e de negócios.
Deveriam estar nas páginas policiais.
Faltam os nomes
O Globo informa que existem cerca de 200 processos para a recuperação de dinheiro enviado irregularmente ao Exterior, somente contando o caso Banestado.
Parte dos valores desviados pela advogada Jorgina de Freitas, que fraudou o INSS, e pelo juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, já foi devolvida.
O restante depende de complicadas negociações e muita contabilidade.
Mas o essencial é que a Justiça brasileira decidiu que se trata de dinheiro sujo.
O valor que está sendo devolvido ainda é irrrisório, mas é simbólico.
Ajudaria bastante se a imprensa divulgasse os nomes daqueles que se achavam donos desse dinheiro.
Deputado quer verba
Também no Globo e na Folha de S.Paulo, destaca-se a notícia de que deputados e senadores conseguiram aumentar em 127% o valor das emendas de iniciativas de parlamentares no Orçamento da União.
Isso significa que cada um dos 594 congressistas poderá dispor de 8 milhões de reais para suas emendas individuais, geralmente destinadas a obras em suas bases parlamentares.
O argumento dos deputados e senadores é simples: no ano que vem haverá eleições municipais e eles precisam de cacife para bancar seus candidatos.
A destinação dos recursos é sempre garantida, mas as obras nem sempre.
Uma rápida olhada no histórico do Congresso mostra uma longa lista de escândalos sobre verbas desaparecidas no trajeto entre o Orçamento e seus destinatários.
O aumento da parcela de emendas de iniciativa pessoal de cada parlamentar segue paralelo às dificuldades que o governo encontra para aprovar projetos que considera importantes.
Durante as votações dos projetos do Plano de Aceleração do Crescimento, o governo já havia concordado com um bocado maior para os congressistas.
As recentes discussões para a prorrogação da CPMF criaram as condições para mais um bote.
E muitos deputados e senadores já acham que é pouco: querem aumentar o cacife para 10 milhões de reais cada um.