Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Cutucando o vespeiro
>>A grande queda de braço

Cutucando o vespeiro


Alguns jornais desta quarta-feira desafiam a futura presidente Dilma Rousseff a enfrentar o poder dos coronéis da mídia eletrônica e colocar em vigor a norma legal que proibe detentores de cargos eletivos de possuir concessões de canais de radiodifusão.


No outro extremo da corda em que se disputa a hegemonia da mídia, o ministro da Comunicação, Franklin Martins, reafirma que o governo irá, sim, dar andamento ao projeto de regulamentação.


Colocada assim a questão, que é como a apresenta a chamada grande imprensa, é de se supor que o governo e a mídia encontram-se em rota de colisão incontornável.


Depois da campanha eleitoral, na qual as principais empresas de comunicação do país se posicionaram claramente, e em alguns casos, oficialmente, contra o atual governo, muitos leitores estão provavelmente antevendo o choque como inevitável.


No entanto, é preciso ponderar que nem o ministro está falando em intervir no mercado de imprensa, nem a imprensa acredita mesmo que o poder Executivo assumiria a missão de reorganizar o setor de radiodifusão sem o apoio do Congresso Nacional e o respaldo do Judiciário.


Está em jogo um estado de coisas que as empresas de comunicação consideram imutável: o livre jogo de poderes econômicos e políticos como única força reguladora do mercado de informação.


Acontece que o tema já extrapola o cenário da política nacional.


Com o anúncio, nesta terça-feira, do conjunto de quatro pesquisas sobre qualidade do jornalismo, promovidas pela Unesco, o órgão das Nações Unidas para Cultura e Educação, a questão sai do campo de força governo versus imprensa oposicionista e ingressa no terreno das relações internacionais.


No mínimo, deve-se convir que o padrão de qualidade do jornalismo não é apenas aquilo que os editores consideram como tal.


O trabalho, executado em parceria com a Renoi, Rede Nacional de Observatórios de Imprensa, consolida a tese segundo a qual o direito à informação é questão para ser debatida por toda a sociedade, e não decidida no ambiente restrito das assembléias de empresas de comunicação ou congressos de editores.


Avessa a qualquer espécie de controle social, a imprensa brasileira terá que se habituar a ser observada de fora para dentro, como parte de todas as instituições públicas ou privadas com responsabilidades no regime republicano.


A grande queda de braço


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:


– Termina hoje, em Brasília, o seminário internacional sobre Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, organizado pela Secretaria de Comunicação Social do governo federal. O evento foi construído em torno da proposta de discussão de um novo marco regulatório para as telecomunicações brasileiras, premidas de um lado pelo avassalador avanço da convergência entre mídias e, de outro, pelo anacronismo de uma legislação promulgada em 1962, quando sequer existia a televisão em cores.


A intenção do ministro Franklin Martins, titular da Secom, é reunir subsídios para encaminhar, ainda este ano, um anteprojeto de revisão do marco regulatório existente. É mais provável que a submissão às consultas públicas e, na sequência, ao Congresso Nacional fique a cargo da presidente eleita Dilma Rousseff, que toma posse em 1º de janeiro.


Embora esta seja uma discussão muito bem-vinda, além de socialmente legítima, a imprensa tem tratado o tema regulação de forma muito ressabiada. Um dos motivos da resistência é o fato de que os assuntos relativos à mídia em geral não estão na pauta da mídia. Este aspecto, aliás, foi devidamente esquadrinhado, ainda em 2007, pela pesquisa “Mídia e políticas públicas de comunicação”, conduzida pela Andi. De outra parte, quando instadas a abordar o assunto, a imprensa – que é um negócio privado – e as emissoras de rádio e TV – que são concessões públicas –, no mais das vezes falseiam o debate ao insistir na tese de que regulação significa censura. Em outras palavras: controle social ou estatal sobre o conteúdo veiculado pela mídia.


E não adianta o ministro Franklin repetir, como um mantra infindável, que o que se quer discutir não é a ingerência sobre conteúdos jornalísticos, mas a articulação de um marco legal garantidor de uma competição justa entre os meios de radiodifusão, ora acossados pela presença cada vez mais ostensiva das empresas de telecomunicação na produção jornalística.


Um bom começo seria a regulamentação dos artigos constitucionais referentes ao tema, para tirar um atraso de 22 anos. E em seguida a criação de limites legais para a propriedade cruzada dos meios de comunicação – este, sim, um vespeiro que nem o seminário e nem governo manifestaram intenção de mexer.