De volta ao velho jogo
Os jornais brasileiros entram na onda otimista da imprensa internacional com o desempenho da economia dos países emergentes, o Brasil em destaque, liderando a retomada dos negócios e dos investimentos após a crise que se tornou pública em setembro do ano passado.
Praticamente a cada dia as editorias de economia e negócios dos principais diários chegam aos leitores recheados de indicadores positivos e declarações de analistas anunciando que o pior já passou.
No entanto, ainda estão presentes no horizonte muitas das causas que levaram os mercados e governos ao pânico nos últimos meses.
Observe-se que nesse período houve uma profusão de revelações sobre a vulnerabilidade do sistema financeiro internacional, com algumas punições e o anúncio de muitas falcatruas envolvendo empresas e executivos que a imprensa adora usar como referências.
Os buracos foram tapados com dinheiro público e a vida volta ao normal, ou seja, as decisões que movimentam os capitais ao redor do mundo seguem sendo tomadas com base em indicadores ultrapassados, que há muito tempo não indicam as verdadeiras circunstâncias em que atuam as empresas.
Os debates sobre sustentabilidade, que chegaram a sensibilizar alguns meios de comunicação no auge da crise, foram interrompidos e desapareceram das páginas e telas da imprensa.
Sabe-se, desde os anos vinte do século passado, a partir de estudos do economista russo Nicolai Dmitrievitch Kondratieff, que o capitalismo está sujeito a oscilações ou movimentos cíclicos, com períodos de instabilidade que não são aleatórios.
Seus estudos foram complementados pelo austro-húngaro Joseph Schumpeter, ainda hoje considerado um autor clássico essencial ao planejamento econômico.
Acrescente-se a essas fontes alguns contemporâneos como Ignacy Sachs e C.K. Prahalad e as próprias evidências levantadas com a crise que eclodiu em 2008, e temos a receita para uma nova agenda no jornalismo econômico.
Mas a imprensa brasileira parece preferir o jogo da Poliana.
Os investimentos estão voltando, a bolsa sobe, portanto, está tudo muito bom, tudo muito bem.
No ano que vem temos eleição presidencial, sempre uma oportunidade para refletir sobre os rumos do País.
Pelo jeito, vamos perder o bonde e passar os próximos meses discutindo picuinhas entre candidatos.
Fora da pauta
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Abafado pela crise no Senado e, agora, na Receita Federal, o assunto Conferência Nacional de Comunicação perde espaço na pauta da grande mídia. Uma exceção foi o principal editorial do diário O Estado de S.Paulo de anteontem (24/8, ver aqui), dedicado ao tema.
O jornal considera que a Conferência vive um impasse provocado pela saída de seis das oito entidades empresariais da comissão organizadora, e que esse gesto patronal põe em xeque a legitimidade do evento. Alerta ainda o editorial para os riscos que a idéia de se estabelecer algum mecanismo de “controle social da mídia” acarretará para os princípios da livre iniciativa e da liberdade de expressão – dando margem, segundo o texto, “para que se persigam estações de rádio e de televisão com base em ideologias abstrusas e assembleísmos”.
Há que se admitir: trata-se de um exemplo acabado de qualificação de intenções, na linha da assunção de um desejo como se realidade fosse. Embora bem-vindo o editorial de um grande jornal sobre um tema crítico como a Conferência Nacional de Comunicação, na defesa de seus princípios o Estadão desconhece – ou escamoteia – a terra de ninguém em que se converteu a legislação brasileira sobre a radiodifusão. O cipoal burocrático que ali vigora dá margem a imoralidades que, no limite, são garantidas pela letra da lei – como a propriedade cruzada dos meios de comunicação e o controle de canais de radiodifusão por parlamentares no exercício do mandato. O editorial prefere não mencionar os itens ainda não regulamentados do capítulo relativo à comunicação da Constituição de 1988, e o suspeitíssimo esvaziamento do Conselho de Comunicação Social.
O fato é que ao assumirem seu descompromisso com a Conferência, as entidades patronais da comunicação brasileira deram péssima contribuição ao debate sobre as futuras – e necessárias – políticas públicas para a área. Disseram não ao diálogo.