Declaratório deslavado
Com as raras e honrosas exceções de praxe, a mídia continua mergulhada no declaratório. O declarante pode ser o presidente, o acusado Buratti, o ministro Palocci ou um opinionista de jornal ou revista, não importa. O método é o mesmo. Trabalhar com declarações e com insinuações. Um dos poucos acertos do presidente Lula nos últimos dias foi dizer que querem acabar com seu governo. Querem, sim, não há como desconhecer isso. Resta saber que tipo de mandato detêm os que o querem.
Grande parte da mídia embarcou no aventureirismo político, por incapacidade de fazer uma análise de boa qualidade, seja da política, seja da economia, seja da sociedade. Bastou um homem sozinho, sem truques nem subterfúgios, se apresentar diante dos jornalistas para provocar um recuo quase cômico. A mídia parece um moleque que xinga e se esconde atrás do amigo grandalhão. A revista Veja tem sido o pior exemplo dessa categoria.
Um domingo histórico
O Alberto Dines mostra como o ministro Palocci deixou claro para a mídia que a semana tem sete dias. Fala, Dines.
Dines:
− Foi um domingo histórico, Mauro. Não apenas porque o ministro Palocci conseguiu abortar uma crise histérica instalada na sexta-feira mas sobretudo porque foi uma aula de comunicação. O ministro mostrou ao comunicólogos e políticos de plantão como se enfrenta uma emergência e aproveitou para desfazer as denúncias divulgadas pela Veja no sábado. E, de quebra, ensinou aos jornalistas que a imprensa é uma atividade contínua. Se os jornais saem todos os dias, se as rádios e TVs estão no ar 24 horas por dia, precisam aprender a trabalhar aos domingos. Se a semana tem sete dias a semana jornalística no Brasil deveria estender-se além da sexta-feira.
O ministro achou que os mercados deveriam abrir com tranqüilidade na segunda-feira, por isso marcou a entrevista para o domingo ao meio dia. Mas as grandes vedetes do jornalismo que vivem em Brasília acharam que não deveriam interromper o agradável fim de semana e ficaram em casa. As manchetes do dia seguinte estavam garantidas. Está provado que a nossa imprensa não está a fim de fazer perguntas. Prefere respostas prontas. Ou denúncias sem investigação.
Lula não é José Dirceu
Dines, eu quero voltar à afirmação de que as redações são dirigidas e as edições são fechadas por pessoas que não têm preparação política. Não têm a dimensão da tragédia que está em curso. Não têm sagacidade nem põem o interesse público em primeiro lugar. Primeiro, a mídia está demorando a entender o papel negativo que tiveram, têm e terão José Dirceu e o grupo que ele comanda. Segundo, não consegue separar da crise no PT e no governo o papel do presidente Lula. Apesar de todos os erros que comete, apesar de seu irritante egocentrismo, até de deslizes éticos, Lula é o detentor do mandato popular e o fiador de uma continuidade institucional que vai mudar o patamar da vida pública no Brasil.
Nesta segunda-feira, 22 de agosto, o jornal Valor põe na capa um cenário da maior importância. São reportagens que mostram como, por convicção ou conveniência, forças do PT querem derrubar não o ministro Palocci, mas a política econômica. Lula reforçou no Café com o Presidente desta manhã seu apoio à política econômica conduzida pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central. Felizmente.
Ainda pode piorar
No sábado, Dora Kramer escreveu no Estado de S. Paulo contra o açodamento. Lembrou que falhas de instrução do processo permitiram a Fernando Collor escapar da justiça. No Globo de domingo, Míriam Leitão escreveu: “Houve falha generalizada no sistema de acompanhamento do que se passa no país”. E mais: “Acho que nós, jornalistas, falhamos e precisamos aprender as lições da temporada”. Certo, Míriam, mas a temporada ainda não acabou.
Promotores, repórteres e videomakers
Tem cabimento um promotor atuar como repórter ao longo de um depoimento? Por que nenhum jornalista, nem que fosse por corporativismo, fez essa pergunta ao agora midiático Sebastião da Silveira de Ribeirão Preto? O Estadão escondeu num pé de página, no domingo, declaração indignada adivinhem de quem. Do líder da minoria, deputado José Carlos Aleluia.
Tem cabimento filmar com câmera oculta, em flagrante agressão aos direitos da pessoa, um depoimento dado em repartição pública da Justiça? Nem a concorrência da TV Globo questionou essa prática alucinada, atribuída à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Silêncio clamoroso
Algo que já ficou bem comprovado na crise do mensalão é o mau uso das relações de partidos e governos com agências de publicidade e propaganda oficial. Mas sobre isso a mídia mantém um silêncio cada vez mais constrangedor.