Desviando o debate
Os jornais noticiam burocraticamente a reunião realizada ontem em Paris, na qual o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e a chancelar da Alemanha, Angela Merkel, propuseram uma reforma no sistema financeiro mundial.
A imprensa preferiu destacar em primeiro plano o apelo do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, por medidas dramáticas contra a crise.
Apenas lembrando que a expressão ‘dramática’, em inglês, não se refere especificamente a drama, mas a radicalidade, convém observar as diferenças entre a proposta dos dois chefes de Estados europeus e a declaração do presidente americano.
O que Barack Obama produziu foi um discurso, no qual procurou chamar a atenção do Congresso dos Estados Unidos para a necessidade de acelerar o processo de análise e aprovação do Plano Americano de Recuperação e Investimento.
O que os dois estadistas europeus produziram foi uma proposta de mudanças profundas nas instituições multilaterais que regulam a economia em todo o mundo.
Barack Obama falou para o público interno, Sarkozy e Merkel falaram para todas as nações, a partir de um entendimento europeu de que a crise exige mudanças mais ‘dramáticas’ do que simplesmente reestimular o mercado.
O ex-primeiro-ministro britãnico Tony Blair também é citado em alguns jornais, dizendo que a economia do século XXI não pode continuar sendo organizada por instituições internacionais criadas em meados do século XX.
O pacote contra a crise proposto por Obama tem alcance local, ainda que se considere o peso da economia americana no contexto global.
Trata de cortar impostos para 95% das famílias de trabalhadores em 2009, além de grandes investimentos em infra-estrutura, gastos sociais e ajuda aos Estados mais afetados pela crise.
A tese dos líderes europeus é de que, ao lado das ações emergenciais, é preciso produzir instrumentos adequados à nova ordem econômica mundial.
O ponto de partida seria a criação de um Conselho Econômico das Nações Unidas, similar ao Conselho de Segurança, destinado a regular a aplicação de uma futura Declaração por uma Economia Racional de Longo Prazo.
Ao oferecer mais destaque à declaração ‘dramática’ de Obama em detrimento da proposta de reformas nascida na Europa, a imprensa indica que caminhos vai apoiar: o do remendo no sistema econômico ou o das mudanças mais profundas?
Onde começa a História?
A cobertura do conflito na Faixa de Gaza exige um olhar profundo sobre a História.
Os fatos graves do dia a dia não deveriam inibir o interesse da imprensa pelos acontecimentos anteriores.
Alberto Dines:
– É possível afirmar que a ‘Batalha de Gaza’ está sendo coberta com equilíbrio pelos grandes jornais brasileiros? Já que a isenção é impossível e a neutralidade uma quimera, a busca do equilíbrio é factível. De uma forma geral, nossos três jornalões estão conseguindo oferecer aos seus leitores um conjunto razoavelmente balanceado de informações e análises. Isso porque a Guerra da Palestina é tão antiga que torna-se impossível ignorar os fundamentos de um conflito que se estende quase continuamente há seis décadas.
Nos grandes acontecimentos a grande imprensa reage com atenção e cuidado, porém a cobertura da rotina, do dia a dia, é que se mostra desleixada, burocratizada. No dia 19 de Dezembro o governo do Hamas recusou-se a renovar o cessar-fogo com Israel proposto pelo Egito e desde esse dia até 27 de Dezembro (quando começaram os maciços bombardeios israelenses) foram disparados 300 foguetes e morteiros (dados da matéria de capa do Economist que circulou na semana passada, 3/1, p.7).
Nem o fim do cessar fogo ou a chuva de foguetes foram devidamente destacados por nossa grande imprensa naquele período. Porém nesta terça-feira a Folha de S. Paulo revelou que durante o ano de 2008, apesar do cessar fogo, foram disparados pelo Hamas cerca de 1.700 foguetes e 1500 granadas de morteiro.
Este é o problema: a eclosão dos grandes conflitos não começa por acaso, é uma soma de episódios tratados com indiferença, insignificantes e que justamente por isso, para chamarem a atenção, acabam por converter-se em grandes escaramuças. Uma atenta cobertura da imprensa, infelizmente, não evitaria as guerras. Mas, pelo menos, não surpreenderia os leitores.