Difícil de entender
Os jornais e revistas do final de semana dão o tom de como deverá ser a cobertura da eleição presidencial neste ano.
Abandonando seu estilo descolado, “cool”, como diriam seus leitores mais típicos, a Folha de S.Paulo abre a “caixa de ferramentas” na edição de domingo, declarando guerra aberta ao Partido dos Trabalhadores.
Afirma, num temerário exercício de futurologia, conhecer profundamente as mais recônditas intenções do partido governista, o qual ataca com um furor que não se via em suas páginas há mais de uma década.
Não é de seu estilo.
Os outros jornais e as revistas semanais também estocam armamentos para a guerra midiática que se avizinha com a proximidade da eleição, vasculhando antigos escândalos ou garimpando novos casos.
Como há muitos meses se desenhou certo consenso em torno dos bons resultados na economia nacional, a tendência é que a campanha, vista através da mídia, venha a provocar um tsunami de lama como jamais se viu por aqui.
A Folha de S.Paulo também surpreendeu, no domingo, ao afirmar, com direito a manchete, que o governo federal obteve documentos comprovando que o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado e colunista da Folha, movimentou US$ 1 milhão no exterior sem declarar à Receita Federal.
É a primeira iniciativa de um dos jornais de influência nacional no tema que valeu a O Estado de S.Paulo a censura imposta há 220 dias por um juiz de Brasília.
Mas, curiosamente, nesta segunda-feira a Folha esquece o assunto.
O Globo desta segunda, dia 8, reproduz a denúncia feita pelo jornal paulista no domingo, mas a publica numa nota curta, escondida sob o noticiário a respeito de outro escândalo, aquele que sepulta a carreira política do governador licenciado de Brasília, José Roberto Arruda.
Ainda mais curioso: o Estadão, a quem mais interessaria reforçar a acusação contra Fernando Sarney, sai com uma reportagem no alto de uma página da seção de política, informando que o Ministério da Justiça desmente a Folha.
O jornal que está censurado por iniciativa da família Sarney afirma que o tema da manchete de domingo na Folha é assunto antigo, já publicado pelo próprio Estado em 16 de julho do ano passado.
Ou seja, a Folha ataca o filho de seu colunista, e o Estadão, que foi censurado pela família Sarney, relativiza a denúncia.
E o leitor? Ora, o leitor…
Arruda está solitário
Alberto Dines:
A manchete da Folha ontem, domingo, é arrasadora: os negócios do clã Sarney foram desta vez denunciados pelo jornal onde o seu cacique, José Sarney, é colaborador há anos. A denúncia é concreta, factual, por isso arrasadora. Mas veio tarde: deveria ter sido publicada quando o poderoso grupo maranhense conseguiu amordaçar o “Estadão” pela via judicial há 220 dias. A grande imprensa sabe solidarizar-se em cruzadas para defender os seus interesses corporativos imediatos, mas desperdiçou uma excelente oportunidade de se irmanar em defesa da liberdade de expressão quando Fernando Sarney, filho do senador, com a ajuda de magistrados ligados à família, impediu que o jornalão paulista continuasse publicando os inquéritos da Polícia Federal.
Há sete meses nossa imprensa convive com este vexame que macula a Justiça brasileira mas também compromete a sua própria imagem, na medida em que revela uma incapacidade para mobilizar-se em defesa da sociedade à qual pela constituição deve servir. Por que razão os demais veículos curvaram-se a uma decisão judicial sabidamente imprópria, impertinente, e concordaram em manter os fatos apurados pela Polícia Federal? Porventura, temiam uma possível retaliação do clã Sarney estendendo a censura a toda a imprensa? E se isso acontecesse, a repercussão e a indignação popular não seriam maiores e o judiciário ficaria mais desmoralizado?
A verdade é que a nova queda de braço entre os lobbies da mídia, governo e grupos militantes para ver quem organiza eventos mais ruidosos torna-se ainda mais inútil e deletéria diante da dimensão da ilegalidade que está sendo praticada ostensivamente pelos amigos de Sarney contra a liberdade de informar. A manchete de ontem da Folha pode significar uma reversão drástica tanto nos rumos do inquérito como em nossos costumes. O governador-prisioneiro José Roberto Arruda não deve ficar só, merece companhia.