Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

>>Duas despedidas
>>É um mundo só

Duas despedidas


Um momento fugaz da política brasileira, mas simbólico, está hoje nas primeiras páginas dos jornais, onde convivem o anúncio de que Severino Cavalcanti vai renunciar e a notícia de que o presidente Lula não foi votar na eleição do partido que criou e comandou com rédea curta até agora. Duas cenas de despedida.


Não dá para ignorar que o quadro político brasileiro sofre um retrocesso importante. Politicamente, o afastamento entre Lula e o PT debilita uma vertente tão importante da vida nacional que, convém não esquecer, garantiu até aqui, sem tergiversar, a preciosa estabilidade da economia. Em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo nesta segunda-feira, 19 de setembro, o historiador Luiz Felipe de Alencastro critica o reacionarismo expresso recentemente pelo senador Jorge Bornhausen ao declarar, referindo-se ao PT: “Nós agora vamos nos livrar dessa raça por muitos anos”. Uma onda reacionária como a que teme o historiador seria muito bem recebida por todos os grupos sociais beneficiários do corporativismo e da burocracia.


Decepções no ar


A decisão do ministro Nelson Jobim que esticou o prazo de defesa dos deputados petistas envolvidos no “valerioduto” pode ter sido juridicamente correta, mas deu alento a manobras que vão deixar muita gente indignada. O cenário é confuso e a derrocada de Severino Cavalcanti serve como biombo para refrear o ímpeto, vá lá a metáfora, saneador. No Globo de hoje, Ancelmo Gois antecipa que não se deve esperar muito do depoimento de Daniel Dantas nesta quarta-feira na CPI.



Um certo pessimismo


No fim de semana, aqui e ali, jornais e revistas mais um vez, estamparam desânimo de vários colunistas. Mas a imprensa não pode esmorecer. No momento, há duas frentes de apuração que ameaçam ficar encobertas: irregularidades cometidas pelo Poder Executivo e a origem da dinheirama operada por Marcos Valério com a colaboração, talvez, informou a Folha, do doleiro de Fernando Collor, Najun Turner.


O ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, mencionou ontem duas sugestões sensatas dadas à imprensa pelo diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo. A primeira é mapear o loteamento político dos cargos da administração federal. A segunda é checar o emprego do “dinheiro de campanha”. Aceitar-se-ia hipoteticamente que o ‘valerioduto’ serviu para pagar dívidas de campanha e se perguntaria a cada político beneficiado a quem ele pagou com esse dinheiro. São coisas simples, mas podem produzir importantes revelações.


É um mundo só


O Alberto Dines pede mais articulação entre os noticiários nacional e internacional.


Dines:


– Mauro, os noticiários da política nacional e o internacional saem em páginas separadas, em alguns jornais até em cadernos distintos. Às vezes juntam-se na primeira página, mas os comentaristas só raramente costumam comparar um assunto doméstico com um acontecimento internacional. Como se o país fosse uma ilha e o mundo não estivesse conectado. O resultado das eleições de ontem na Alemanha é uma das notícias que deveriam fazer a ponte entre a política local e a internacional.


Enquanto nós vivemos as agruras de um presidencialismo atrasado que repousa num Parlamento não-representativo, os alemães, com partidos definidos e organizados, estão aparentemente entalados num impasse. Estão quase empatados, os principais candidatos, a conservadora Ângela Merkel e o social-democrata Gerard Schröder. Nenhum deles tem condições de formar maioria com os respectivos aliados. A saída pode ser uma “Grande Coalizão” entre os tradicionais adversários ou eventualmente a convocação de novas eleições.


Mas para nós é muito didático ver o funcionamento de um regime parlamentarista onde o Executivo não precisa dos mensalões para compor maiorias no Legislativo. Não temos partidos coerentes e a quantidade de siglas só favorece as legendas de aluguel, o caixa dois, etc. etc. A Europa e os Estados Unidos estão de olho no impasse de ontem na Alemanha. Nosso impasse, muito mais trágico, não interessa a ninguém. E os poucos que se interessavam, começam a ficar saturados.


Presença alemã


Pois é, Dines. Os jornais de hoje dão bom espaço à cobertura das eleições na Alemanha. A Folha de S. Paulo, em particular, mandou enviado especial. Não deixa de ser um sinal de que a abertura para o mundo já se traduz em interesse do leitor.


A Alemanha é a terceira economia e o maior exportador do mundo, e tem presença importante no Brasil. Só em São Paulo há cerca de 800 indústrias de capital alemão.