É quarta-feira
O carnaval terminou na mídia como havia começado: com a folia dos cartões de crédito corporativo voltando ao desfile e os bastidores da política ocupados novamente com barganhas para impedir uma nova CPI.
O enredo é conhecido dos brasileiros: gente do governo, ou próxima dele, é apanhada com a mão na massa, a imprensa faz seu trabalho de amplificar as denúncias, e as alas das agremiações no poder se ajeitam como podem para recompor a harmonia e fazer o desfile continuar.
No carnaval, como na política, seguem acontecendo os rituais misteriosos para os não iniciados: por exemplo, o beija-mão do bicheiro Aníz Abraão Davi, patrono da escola de samba Beija-Flor e um dos imperadores do carnaval carioca, reuniu de ex-diretores globais a políticos.
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, e o presidente do Partido Democratas, deputado Rodrigo Maia, foram vistos na prestação de honrarias ao delinquente, condenado pela Justiça e ainda investigado na operação Furacão, da Polícia Federal.
Houve, é claro, os desastres de sempre na volta do feriado.
Os jornais contam 37 mortos nas estradas.
E a terça-feira gorda das eleições americanas quase rivaliza com a última noite de folia, na escolha dos editores.
Com um olho nas fantasias e outro na realidade, também o noticiário econômico encurta o tempo de recuperação dos foliões e amanhece a quarta-feira calculando o volume das cinzas de riqueza que o mercado ainda precisa produzir para se estabilizar após a quebradeira do setor de crédito imobiliário americano.
O Brasil aparece bem em todos os jornais, com chances de sofrer menos do que os outros países emergentes os efeitos dos rearranjos do sistema financeiro internacional.
No balanço final do carnaval, ainda ficamos sem saber se a devastação da Amazônia aumentou ou não em 2007, se os gastos irregulares com cartões de crédito do governo vão mesmo ser apurados.
O Congresso reabre com a pauta travada por nada menos do que sete Medidas Provisórias e a oposição promete endurecer o jogo.
Ameaçado por uma nova CPI, nosso mestre-sala segue seu desfile impávido: a imprensa parece ter queimado todos os rojões nos carnavais anteriores e não parece disposta a abalar o momento de bem-estar econômico por causa de uma conta mal-explicada.
Cartão amarelo
A fonte é o próprio Poder Executivo, e os fatos demonstram a inegável propensão do atual governo para a autofagia.
O novo escândalo envolve o uso de cartões de crédito corporativos, e as informações são divulgadas abertamente por um órgão criado pelo Executivo.
A demissão da ministra Matilde Ribeiro, campeã de gastos irregulares, não bastou para enterrar o assunto.
Alberto Dines:
– Há um novo complô da mídia contra o presidente Lula? As revelações sobre a utilização dos cartões corporativos no primeiro escalão podem ser vistas como uma cruzada da imprensa para complicar a vida do governo num ano eleitoral? Este tipo de reação ainda não foi registrado, em parte porque o próprio governo apressou a saída da ministra Matilde Ribeiro (apontada como a campeã de gastos com o cartão de crédito) para aliviar a pressão em favor de uma CPI. É possível que a mídia tenha aproveitado as informações do site Portal da Transparência para esquentar o noticiário político numa temporada marcada pelos recessos, pelo calor e pelo Carnaval. Mas o teor e o volume das revelações não é desprezível. Nenhuma foi desqualificada ou desmentida e nada do que foi revelado compromete a segurança da Chefia do Governo. Impossível ignorar as irregularidades ou deixá-las impunes. O país volta a funcionar hoje, depois do almoço, é possível que então as autoridades abandonem a postura reticente e adotem uma linha mais afirmativa a respeito das denúncias. O importante nesta história é que não está havendo vazamento de informações, nem manipulação de informações: o Portal da Transparência, de onde saem todas as informações sobre as despesas com os cartões corporativos, foi criado e é mantido pelo governo. Sua credibilidade não pode ser contestada. Se algum complô está sendo tramado é para diminuir a sua transparência.