Educação moral e cívica
A despeito das quatro representações interpostas contra José Sarney no Conselho de Ética do Senado, ainda não se pode apostar que ele venha a ser punido.
Na verdade, toda a máquina controlada por Sarney se movimenta para não sair do lugar: o presidente do Conselho de Ética, senador Paulo Duque, está de férias no Rio e já avisou que não vai fazer uma convocação extraordinária para examinar as acusações.
Além de não ser propriamente um entusiasta da ética, Paulo Duque é amigo e aliado de Sarney.
No pacote que mistura denúncias pesadas com declarações e meras especulações, vai ficando por baixo do tapete um aspecto do atual escândalo no Senado que, aliás, compõe o pano de fundo de todas as controvérsias sobre a falta de moralidade nos negócios públicos.
Esse detalhe está presente em todas as controversas recomendações do presidente da República sobre o efeito das sucessivas denúncias que se amontoam sobre José Sarney: é preciso cuidado para manter as ações efetivas dentro do arcabouço legal.
Com todos os mal entendidos que as manifestações do presidente Lula podem produzir, esse é um tema que deve estar presente nas escolhas de edição.
A se considerar o noticiário dos últimos dois meses, os indícios que se acumulam sobre Sarney são mais do que suficientes para mobilizar o Senado, ou o que resta de decência no Senado, para afastá-lo da presidência da Casa e amputar seu mandato.
Mas a política não anda necessariamente sobre o trilho daquilo que parece certo ou errado.
A imprensa age como se as relações de poder fossem apoiadas em um código moral. E esse código muda conforme os personagens acusados.
Na verdade, as instituições políticas são fundamentadas na lei, que não tem necessariamente a ver com moral.
Observe-se também que a maioria dos articulistas e comentadores da imprensa que supostamente se dedicam ao tema da ética, ou que se fazem apresentar como especialistas em ética, são apenas a versão contemporânea dos antigos professores de educação moral e cívica.
A questão é polêmica, mas precisa estar presente na imprensa, para que o leitor saiba fazer seu próprio julgamento.
O detalhe fatal
Alberto Dines:
– O presidente Lula pediu que a sociedade brasileira não confunda os crimes – uma coisa é nepotismo, outra é lobby, uma coisa é corrupção, outra é assassinato.
O conteúdo das gravações das conversas de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, é dinamite pura. À primeira vista parece inocente, mais um dos milhares de casos de nepotismo. Porém uma avaliação mais detalhada das transcrições evidencia prevaricação e quebra de decoro.
A parte mais explosiva das conversas não está no pedido de emprego para o namorado da neta, a bomba está na conversa de Sarney pai com Sarney filho, congratulando-se pela concessão de mais uma repetidora de TV para o conglomerado de mídia da família, um dos maiores do Nordeste.
Um congressista não pode acumular interesses — ou serve ao Estado ou serve aos seus negócios. Um legislador que supervisiona concessões não pode ser simultaneamente concessionário de um serviço público.
A alegre conversa captada pela Polícia Federal comprovou uma situação ilícita e inconstitucional. O chefe do Legislativo está usando o seu imenso poder para beneficiar-se politica e materialmente.
A imprensa não priorizou até ontem este grave delito porque José Sarney, quando envergava a faixa presidencial, inventou a trapaça de trocar apoios por concessões de rádio e TV aos congressistas. Calcula-se que metade dos parlamentares esteja na mesma situação delituosa.
Acabar com a farra das concessões de radiodifusão poderia sanear definitivamente a estrutura da nossa mídia eletrônica – mas o governo teria coragem de enfrentar o ressentimento de metade das duas casas legislativas? Claro que não. Os conglomerados de mídia seriam capazes de fazer uma cruzada que poderia quebrar o seu poder? Claro que não.
A gravação das conversas telefônicas dentro do clã Sarney teve amparo legal, ilegal foi o vazamento de informações protegidas pelo segredo de justiça. No entanto, ninguém discute esta questão. É uma formalidade e a sociedade brasileira tem absoluto desprezo pelas formalidades.
O processo de alijar Sarney da presidência do Senado é irreversível, mas o vale-tudo pode levar a uma perigosa ruptura. Constantemente provocada e desafiada, a mídia agora já não tem condições para pisar no freio.