Enfeiando a boa notícia
O anúncio de que o Produto Interno Bruto do Brasil cresceu 6,8% entre julho e setembro surpreendeu economistas e jornalistas, mas não surpreendeu empresários e investidores.
Por outro lado, os jornais esconderam a notícia de que o índice de pobreza caiu na América Latina neste ano.
A observação dos jornais de hoje pode ser um interessante exercício de reflexão sobre como a imprensa tem dificuldades para lidar com boas notícias.
O crescimento do PIB no terceiro trimestre foi registrado antes da explosão da crise financeira internacional, explicam os jornais.
Mas a imprensa não vinha dizendo que os sinais da crise já se manifestavam desde o início do ano?
O PIB brasileiro foi puxado pelo consumo das famílias e pelos investimentos públicos e privados, com especial destaque para os setores de construção civil e indústria de transformação.
Todos os jornais apostam que o último trimestre do ano deve mostrar uma redução no ritmo de crescimento, mas mesmo que o PIB no ultimo quarto do ano tenha uma queda de 1%, o Brasil terá conseguido em 2008 o melhor desempenho em doze anos.
Não há como não notar certo constrangimento de alguns editores ao apresentar o número surpreendente.
O Estado de S.Paulo produziu uma manchete mais fria: ‘PIB surpreende e cresce 6,8%’.
A Folha de S.Paulo tenta conter interpretações otimistas: ‘Antes da crise, economia cresce 6,8%’.
O Globo consegue transformar a boa notícia em uma frase pessimista: ‘Crise freia o país no auge do seu crescimento econômico’.
Não dá para não perceber que parte da imprensa quase lamenta ter que registrar o crescimento da economia brasileira.
Quanto à notícia de que a pobreza caiu na América Latina e no Caribe em 2008, fica difícil entender por que os jornais se omitiram, se a informação estava disponível nas redações desde o começo da tarde de ontem.
Os dados foram divulgados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a Cepal, órgão que faz parte da ONU, e indicam que programas sociais como o Bolsa Família foram responsáveis pela melhoria das condições de vida e redução da pobreza.
Os jornais chegaram a publicar despachos de agências internacionais sobre o assunto em suas edições online, mas deixaram a boa notícia de fora de suas edições de papel.
Será que pobreza e notícia ruim vendem mais jornal?
Mexendo no vespeiro
A questão das concessões de radiodifusão, tema delicado mas central nos debates sobre a democratização dos meios de comunicação no Brasil, entra em banho-maria mas deve voltar à pauta do Congresso no início do ano.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Hoje faz uma semana que se cumpriu um rito legislativo muito, mas muito importante. Na quarta-feira passada, o plenário da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados aprovou relatório da deputada Maria do Carmo (PT-MG), com indicações de mudanças nos procedimentos de outorga e renovação de concessões de radiodifusão. O texto inclui ainda mecanismos para melhorar as ações de fiscalização e sugestões de alterações na legislação.
Por que o fato é tão importante? Porque desde que foi instalada, a Subcomissão de Radiodifusão da Câmara, presidida pela deputada Luíza Erundina (PSB-SP) e com a relatoria a cargo de Maria do Carmo, bateu de frente com deformações historicamente cristalizadas no Congresso Nacional. A mais evidente delas tem a ver com o desrespeito ao artigo 54 da Constituição Federal, que veda a participação de parlamentares no controle de empresas concessionárias de serviços públicos. E é mais do que conhecido o apetite de muitos deputados e senadores pelas concessões de radiodifusão, o chamado ‘coronelismo eletrônico’. O assunto suscitou uma representação do Instituto Projor, mantenedor deste Observatório, à Procuradoria Geral da República, em outubro de 2005, com dados concretos sobre essa relação pra lá de promíscua.
Agora, com a aprovação do relatório da deputada Maria do Carmo, o tema deverá ficar em fogo brando durante o período do recesso parlamentar, mas tudo indica que voltará com tudo no ano que vem. É esperar para ver.