Entrevista: conversa com um mestre do jornalismo
Continuamos hoje com mais um trecho da entrevista com Matias Molina, autor do livro Os melhores jornais do mundo.
Luciano Martins: – Molina, você falava sobre a crise criada pelo advento das novas tecnologias. Mas há também uma questão de mudança no modelo de negócio que afeta as empresas de comunicação, não é verdade?
Matias Molina: – O que houve é que a partir dos anos 60 e 70, as empresas todas nos EUA começaram a abrir o capital. Uma empresa com capital em bolsa, o modelo tem várias características. Uma delas é que a empresa é obrigada a se racionalizar, a ficar mais enxuta, é obrigada a ser mais profissional. O que é bom para a empresa, porque se organiza de maneira empresarial adequada. Tem um lado muito negativo que é: o investidor em bolsa, principalmente os grandes fundos de pensão, fundo de investimento, eles querem retorno sobre o investimento. Então quando há uma crise econômica onde a economia tem um baque, a pressão para as empresas jornalísticas é que continuem mantendo a elevadíssima margem de lucro ou até aumentado. Para isso, o que fazem? Cortam despesas. Cortam pessoal, cortam pessoal de qualidade (pessoal que é caro), cortam correspondentes (que é muito fácil).
Luciano Martins: – Bom, isso acontece praticamente a cada seis meses nos principais jornais do Brasil. E qual a conseqüência disso para o longo prazo?
Matias Molina: – A longo prazo significa que há um declínio de qualidade e um declínio até da própria empresa jornalística. Geralmente, como você disse, é um modelo que foi muito negativo para as empresas.
Luciano Martins: – Esse modelo de gestão, pelo corte de custos em detrimento da qualidade, pode afetar o futuro dos jornais?
Matias Molina: – Isso está afetando muito a qualidade dos jornais e poderá afetar também o seu futuro.
Luciano Martins: – A edição de hoje do Observatório da Imprensa é integralmente dedicada à entrevista com o jornalista Matias Molina, que acaba de lançar o livro Os melhores jornais do Mundo.
Molina, você cita também no seu livro o envolvimento de outros interesses de negócio com o jornalismo. Você cita até o caso do jornal espanhol El País. Como isso pode afetar a reputação de um jornal?
Matias Molina: – Quando um jornal pertence a um grande grupo econômico, a cobertura dos negócios é muito delicada. No caso do El País, mencionei que o grupo Prisa entrou em um negócio de televisão por assinatura. O governo conversador de Aznar (O ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar) tinha se deveu a El País e às empresas do grupo Prisa. Então desenvolveu uma campanha contra, mudou leis e normas, até que foi chamada sua atenção pela Comunidade Européia. El País começou a defender as empresas do grupo, que tinham sido atacadas, em sua visão, pelo governo. Isso chocou alguns leitores, que estavam achando que El País estava mudando um pouco a cobertura jornalística, não distorcendo e mentindo, mas dando uma ênfase à cobertura de alguns itens que afetavam o interesse do grupo. Isso aqui criou um conflito grande. Agora, para você ver, estes conflitos apareceram nas páginas do El País, na carta de leitores e nas colunas de colaboradores que criticaram muito o El País dentro do próprio jornal.
Luciano Martins: – Coisa rara de se ver na imprensa brasileira, não é Molina? A não ser na carta do ombudsman. Molina, a transparência é uma dessas qualidades que você destaca no seu livro como sendo característica dos grandes jornais. O que é um grande jornal?
Matias Molina: – uma das maneiras que você tem de avaliar um jornal, é ver como esse jornal fala de si mesmo. Se é só auto-elogio ou se este consegue aceitar críticas, ou então permitir que a redação critique o próprio jornal dentro da empresa. Esse diferencial é importante para você avaliar quando um jornal é de qualidade, de elite mundial – elite no sentido de elite intelectual – ou não. Eu cito no livro que o Arthur Miller, o dramaturgo americano, diz que um bom jornal é uma nação falando consigo mesma.
Luciano Martins: – Temos que terminar aqui mais esta conversa com o jornalista Matias Molina, autor do livro Os melhores jornais do mundo. Nosso diálogo prossegue amanhã neste mesmo horário.