Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

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Esquentando a campanha


De repente, como se tivesse surgido de um passe de mágica, eclode na imprensa um debate que deverá ocupar os jornais nos próximos meses e alimentar o bate-boca que caracteriza as campanhas eleitorais.


Trata-se de um pacote de medidas que, segundo se pode abstrair dos textos publicados pela imprensa, resumem o que deve ser o legado do atual presidente da República no que se refere aos direitos civis.


Muito provavelmente, poucos jornalistas foram capazes de ler as pouco mais de 70 páginas do decreto, composto com as contribuições de quase todos os ministérios.


Ali se encontra uma cornucópia de medidas, desde a legalização do casamento homossexual até a reestruturação dos sistemas de Justiça e de segurança pública.


Antes mesmo de ser completamente entendida, a proposta já soma importantes opositores, pelo menos a se julgar pelas opiniões selecionadas pelos jornais.


Batizado de “Programa Nacional de Direitos Humanos”, o decreto provocou o descontentamento tanto de representantes da Igreja Católica como de militares da reserva e acaba colocando no mesmo lado – contra – a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e os ruralistas representados pela Confederação Nacional da Agricultura.


Acrescente-se que o texto foi publicado no mês passado, ou seja, houve tempo para os editores se debruçarem sobre as propostas.


Sua leitura não ocupa mais tempo do que o necessário para consumir um livro de bolso.


Os defensores da medida, ministros e especialistas que participaram de sua elaboração, argumentam que se trata de uma consolidação de direitos que vêm sendo definidos esparsamente na legislação, e que buscam atender em conjunto a uma série de demandas da população e determinações de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil nos últimos anos.


Interessante observar que, mesmo antes de apresentar a proposta à opinião pública, com reportagens amplas detalhando a complexidade do tema, os jornais já publicam artigos e entrevistas de representantes dos setores que se manifestam contrariados com o decreto.


Ou seja, a imprensa pode nem ter entendido ainda o alcance da proposta.


Mas já é contra. 


Apressando o velório


Alberto Dines:


– A mídia, especialmente a eletrônica, não gosta de vestir luto. Prefere a euforia, a badalação despreocupada. Coisas tristes não “vendem”, sofrimento não é bom produto. Tragédias, só as anônimas e as que logo podem ser esquecidas, substituídas por outras.


Neste inicio de 2010, porém,  nossa mídia começou a encarar a dor e conviver com ela.  Os dez primeiros minutos dos telejornais de ontem à noite foram ocupados com o rescaldo das tragédias produzidas pela chuva no Rio, S. Paulo e Rio Grande do Sul. Isso vem ocorrendo ininterruptamente há oito dias, em seguida às festas de fim de ano, em pleno verão, quando toda a mídia, inclusive a impressa, preparava-se para mergulhar de cabeça na temporada das mundanidades.


Não há como escapar: previsão do tempo tornou-se prenúncio de susto, meteorologia associou-se à sensação de insegurança. E assim será por algum tempo, mesmo que o “El Niño” 2009-2010 seja mais breve e menos intenso – o que não parece provável.


Não adianta apelar para as lágrimas das vítimas, dos sobreviventes ou para a emoção das audiências. O telespectador de repente tornou-se mais solidário e mais exigente: quer providências, quer saber o que está sendo feito na sua rua, bairro, cidade, estado. O leitor, o ouvinte, o acessador da Internet quer saber onde estão naquela hora os prefeitos, os governadores e os ministros. O cidadão quer vê-los tomando providências à luz do dia e não nas entrevistas coletivas montadas por especialistas como se fossem shows.


Informações são processadas nas redações mas são colhidas na rua e para que os jornalistas possam ir ao encontro de tantas tragédias simultâneas é preciso de mais recursos e, sobretudo, mais gente, melhor treinada.


É ofensivo perguntar àqueles que tudo perderam como é que estão se sentindo. Estão arrasados, é óbvio. O que deve ser mostrado é a dolorosa verdade: montes de eletrodomésticos cobertos de lama e filas de compradores de eletrodomésticos nas mega-liquidações de janeiro.