O comércio dos votos
O centro dos debates nos jornais de hoje é a composição das bancadas no Congresso, com relação às chances do Executivo de aprovar a prorrogação da validade da CPMF até 2011.
Os processos contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, o julgamento, pelo STF, da questão das trocas de partidos, e até o futuro do ex-quase ministro Roberto Mangabeira Unger entram na receita dos jornais para mostrar as dificuldades do governo em manter uma maioria segura no Congresso.
O núcleo das disputas é o PMDB, que tem aparecido na imprensa como um consórcio de oportunistas comprometidos apenas com seus próprios interesses.
Não se encontra nos jornais uma linha sequer citando peemedebistas empolgados com temas programáticos ou de políticas públicas.
O partido que já foi a plataforma de luta pela redemocratização do Brasil só manifesta apetite pela ocupação de cargos.
Tentativa de golpe
Um dos sintomas mais evidentes de que o atual comando do PMDB, mantido com ferocidade por Renan Calheiros sob os olhares complacentes do senador José Sarney e do líder do governo no Senado, Romero Jucá, é a notícia publicada pelo Globo, dando conta de que os peemedebistas Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon podem se afastados da Comissão de Constituição e Justiça.
Os atuais donos do partido que é hoje o fiel da balança no Congresso não gostam da independência de Simon e Vasconcelos, e pretendem dominar completamente a comissão que define os temas que vão entrar em votação.
Em busca do controle
A Comissão de Constituição e Justiça tem sido um órgão importante no controle da pauta e de certa forma funciona como um sistema fiscalizador dos interesses envolvidos nas votações.
Hoje, por exemplo, os jornais noticiam que a comissão aprovou um projeto que determina o afastamento de cargos no Senado de parlamentares que enfrentam processo de cassação.
Se essa medida estivesse em vigor, Renan Calheiros não teria transformado a presidência do Senado em seu quartel-general pessoal.
Ainda ontem, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou outro projeto, acabando com o prazo de prescrição nos processos de ação penal contra autoridades com foro privilegiado.
A banda bandalha do Congresso sempre lutou por cargos, Agora descobriu que, para garantir a satisfação de seu apetite, precisa também quer dominar a Comissão de Constituição e Justiça, para reduzir os riscos e garantir certa impunidade.
Está faltando firmeza
O noticiário dos últimos dias revela certo arrefecimento na marcação da imprensa sobre os casos de corrupção que se encontram em julgamento no Congresso Nacional e no Judiciário.
Mas mesmo com falhas evidentes na cobertura dos fatos e ditos, com deslizes e desequilíbrio na exposição dos variados personagens, os jornais têm procurado cumprir seu papel de manter a sociedade informada sobre os procedimentos nos centros do poder da República.
Ainda assim, os protagonistas de escândalos parecem imunes às cobranças de mais transparência e respeito às instituições.
Talvez falte firmeza em outras instâncias.
Dines:
– O Procurador Geral da República reconheceu ontem no Supremo Tribunal Federal que a troca de partido é uma anomalia, mas não se pode punir o eleitor cassando o mandato do escolhido para representá-lo. Pergunta-se: e o deputado que quebra o decoro, deve ter o seu mandato preservado para não punir o eleitor que nele depositou o voto? Há dias a mesma Procuradoria Geral da República considerou imoral o parlamentar que recebe uma concessão de radiodifusão, mas admitiu que nada podia ser feito porque a Constituição lhe garante este direito. O Ministério Público já foi mais intransigente: junto com a imprensa formava um contra-poder que pressionava os poderes formais. Agora a esfera superior do Ministério Público (a Procuradoria Geral da República), perdeu a garra, perdeu o norte, impregnou-se de um falso espírito salomônico que nada tem a ver com a sua função de defensoria da sociedade e fantasiou-se de instância judicial. Deputado que trai o partido, trai o eleitor. Ponto. Parte da mídia fez este raciocínio porque sua função é não transigir.
Duas CPIs, notícias diferentes
Os jornais de hoje podem lançar o leitor em confusão sobre o que realmente aconteceu na CPI do Apagão Aéreo.
A Folha de S.Paulo e o Globo destacam a votação do relatório da CPI da Câmara dos Deputados que, por catorze votos a seis, isentou a Agência Nacional de Aviação Civil de qualquer responsabilidade na crise aérea.
O Estado de S.Paulo também publica a mesma notícia, mas faz outro destaque sobre informações obtidas com exclusividade por sua reportagem, anunciando que o relator da CPI do Apagão Aéreo vai indiciar a cúpula da Infraero além de ex-diretores da estatal e dois empresários.
A confusão se dá porque o Estadão misturou no noticiário as CPIs do Senado e da Câmara, sem avisar o leitor. O jornal paulista usa como manchete a informação passada com exclusividade pelo senador Heráclito Fortes, do partido Democratas, relator da CPI do Apagão Aéreo no Senado, com detalhes das conclusões que deveria apresentar no dia 15.
Pelas minúcias que o jornal apresenta, o relator abriu para a reportagem acesso total o texto de suas conclusões, que se faziam num relato de mais de mil páginas.
A fonte escolhe a mídia
A preferência do senador Demóstenes Torres pelo Estadão para a denúncia se explica pela maior afinidade do jornal com as teses da oposição. Mas o fato de duas CPIs chegarem a conclusões tão opostas deve alertar o leitor para a hipótese de que as investigações do Congresso podem ser conduzidas mais por fatores políticos do que por questões técnicas.
A CPI da Câmara, onde o governo tem uma maioria mais folgada, praticamente enterra a hipótese de que a tragédia da Tam foi provocada por problemas na pista do aeroporto. Segundo o relatório aprovado, a causa mais provável foi o sistema de automação do airbus que, com um dos revertores inoperantes, teria dado origem aos problemas que levaram ao acidente.
De olho nas entrelinhas
Se for considerada como tecnicamente correta, a conclusão da CPI da Câmara deve levar o leitor a lembrar todo o noticiário que se seguiu ao desastre, quando a imprensa, unanimemente, concluiu por antecipação que a tragédia fora conseqüência da falta de ranhuras na pista principal de Congonhas.