Faltou coerência
O jornal O Estado de S.Paulo anuncia, em minúscula nota no primeiro caderno, que os 2.102 jovens que se inscreveram no 20o. Curso Estado de Jornalismo começam neste domingo a primeira etapa do processo de seleção, devendo até o dia 16 ser conhecidos os 60 pré-classificados.
Mais informações podem ser obtidas no site www.estadao.com.br/talentos.
O leitor curioso vai até o site, pois imagina que, agora que conseguiram eliminar a obrigatoriedade do diploma específico para o exercício do jornalismo, os jornais tratarão de ampliar as fontes para seleção de seus profissionais, certo?
Errado: o Curso Estado de Jornalismo, também chamado de Escola de Focas, é só para recém-formados de faculdades de Jornalismo ou alunos do último ano ou último semestre de… Jornalismo.
A decisão do Supremo Tribunal Federal eliminando a obrigatoriedade do diploma para exercício do jornalismo foi tomada no dia 17 de junho, ou seja, mais de quarenta dias antes do fim das inscrições para o curso do Estadão.
Embora o site ainda postasse até esta sexta-feira informações sobre como se inscrever, as inscrições podiam ser feitas somente até o final de junho.
Ora, se a questão do diploma era tão importante, se era um caso de defesa do amplo direito de expressão, por que o jornal não estendeu o prazo de inscrição logo após a decisão do STF, para democratizar o acesso à tão desejada profissão?
Por que não fez qualquer gesto para abrir a possibilidade de estudantes ou recém-formados em facudades de Direito, de Economia, de Enfermagem ou de Moda participarem do processo de seleção?
Se o jornalismo não é mais exclusividade de jornalistas diplomados, como sustentar a manutenção da exclusividade diante de eventuais processos judiciais de estudantes de outras áreas impedidos de concorrer?
A direção do jornal pode alegar que não houve tempo para alterar as regras.
Tal alegação pode ser discutida em juízo.
O jornal também pode alegar que, tratando-se de um processo de seleção para um curso privado, ninguém tem nada a ver com isso.
O jornal só não consegue explicar a incoerência de haver se empenhado tanto para acabar com a exigência do diploma de jornalismo, alegando razões tão nobres como os direitos humanos, e depois negar esse direito aos estudantes ou recém-formados de outras especialidades que querem ser chamados de jornalistas.
Os frutos do atropelo
Alberto Dines:
– O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, foi veemente ontem quando se manifestou contra o vazamento de informações sigilosas de inquéritos da Polícia Federal. Segundo ele, a prática de vazar documentos sigilosos banalizou-se, tornou-se rotina e beneficia principalmente emissoras de televisão.
O ministro Mendes acusa frontalmente a Polícia Federal, mas a responsabilidade pela divulgação de qualquer informação cabe ao veículo e não à fonte. Se o veículo jornalístico não sabe tratar a informação à qual teve acesso, está descumprindo os mais elementares preceitos e procedimentos profissionais.
Ora, como o ministro Gilmar Mendes recentemente considerou extinta a profissão de jornalista ao acabar com a obrigatoriedade do diploma, instituiu uma espécie de vale-tudo. Ao universalizar o exercício do jornalismo sob o pretexto de democratizar o acesso à informação, o STF ou o seu presidente já não podem exigir dos veículos um tipo de conduta e de cuidados que antes era cobrado – e com toda razão – dos profissionais formados em universidades.
Essa talvez tenha sido a razão que levou o ministro Mendes a fazer carga apenas contra a Polícia Federal.
Estamos diante do primeiro mal-entendido provocado pela apressada decisão de acabar com a exigência do diploma. Logo virão outros e mais graves.
A revogação de antigas leis e estatutos exige decisões mais ponderadas e mais prudentes, capazes de evitar vácuos legais. A remoção do entulho autoritário foi feita com tanta insensibilidade que parece autoritarismo.