Festival de especulações
A imprensa reagiu com pouca objetividade à derrota da proposta de prorrogação da CPMF no Senado.
Além do tradicional ‘quem ganha, quem perde’, os jornais de hoje não fazem muito mais do que ouvir as fontes oficiais e os especialistas de sempre.
Os diários afirmam que o governo vai desistir do tributo e não insistirá na tentativa de prorrogação no ano que vem, mas não conseguem penetrar a couraça do Planalto para explicar aos leitores como será compensada a falta dos 40 bilhões de reais a menos de receita no orçamento de 2008
O Globo aposta que o governo deve subir impostos e congelar salários, mas ao mesmo tempo observa que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, abrandou o tom pessimista da véspera e já não fala em mudanças radicais na administração financeira do governo.
O Estado de S.Paulo acena com a retomada das negociações por parte da oposição, mas falha ao conferir a disposição do governo em aceitar a volta ao diálogo.
O jornal paulista insinua que o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, foi pressionado pelos governadores do partido, mas não aposta nessa possibilidade.
Desse jeito, o leitor fica sem saber exatamente se a CPMF acabou de fato ou se tudo não passou de um blefe no intenso jogo entre os dois lados da política nacional.
A Folha de S.Paulo demonstra ter uma diversidade maior de fontes, afirmando que tanto o governo quanto a oposição estão considerando a hipótese de criar um imposto específico para financiar a saúde, com prazo de validade definido, mas a reportagem não apresenta densidade suficiente para sugerir que se trata de algo mais sério do que especulações de corredor.
A impressão que sobra para o observador é que a imprensa não tem acesso confiável aos personagens que efetivamente tomam as decisões no governo.
Com o presidente Lula fora do País, e sem contar com suas declarações sempre sonoras, parece que os jornais também ficaram sem palavras.
Menos controle para a sonegação
Muito longe da vida real dos cidadãos, a imprensa permanece presa a declarações dos representantes de partidos políticos, que refletem nada mais do que a face superficial da política.
O noticiário de hoje fica devendo alguns esclarecimentos sobre a função de controle que a CPMF cumpria sobre as transações financeiras.
O extinto imposto do cheque sempre funcionou como instrumento para a Receita Federal monitorar os valores reais que transitam nas contas bancárias.
Enquanto vigorou a CPMF, os candidatos à sonegação eram obrigados a realizar manobras complicadas para receber ou fazer pagamentos.
Cruzando a CPMF com o Coaf – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, as autoridades tinham um instrumento eficiente contra a evasão de receita.
O Coaf permite identificar todas as movimentações financeiras superiores a 10 mil reais. Quando os sonegadores faziam transferências ou saques em valores inferiores, a incidência da CPMF produzia um rastro que facilitava a investigação de eventuais desvios.
Sem a CPMF, as autoridades ficam dependendo de autorização judicial para a quebra de sigilo bancário de suspeitos.
Entre os descontentamentos registrados hoje pela imprensa, observa-se a manifestação de autoridades da Receita e da Polícia Federal e representantes do funcionalismo público, que pode vir a ser prejudicado pela redução dos recursos do governo.
Os jornais destacam declaração do ministro da Marinha, que teme perder a oportunidade para reequipar as Forças Armadas, e o governo trata de justificar os temores dos militares anunciando que recolheu para novos estudos a proposta de reajuste salarial dos 203 mil funcionários civis e das tropas das três armas
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Com o noticiário fragmentado que se seguiu à votação de quarta-feira no Senado, os leitores ficam sem saber se a perda do governo é realmente considerável, se não há alternativas para a recuperação da receita além do aumento de impostos ou se tudo não passa de jogada para atirar nas costas da oposição a culpa por possíveis dificuldades orçamentárias no ano que vem.