A agenda do tráfico
A imprensa brasileira está diante da possibilidade de esclarecer de maneira muito clara como o crime organizado conseguiu dominar durante décadas vastas regiões do Rio de Janeiro sem ser incomodado pelas autoridades.
A prisão do traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem, pode permitir à polícia carioca revelar o sistema de apoio ao crime, não apenas com a identificação de autoridades que recebiam propina mas também com o conhecimento sobre a lista de clientes encontrada na agenda de um de seus comparsas.
A possibilidade de o ex-chefão vir a integrar um programa de delação premiada é cogitada nos jornais desta terça-feira, dia 15, a partir de declarações do secretário de segurança pública do Rio, José Mariano Beltrame.
Trata-se de proposta a ser examinada pela Justiça e que pode oferecer dados importantes sobre o funcionamento do crime organizado, principalmente no que se refere à estrutura de financiamento do tráfico de drogas e do contrabando de armas e ao sistema de lavagem de dinheiro.
O ex-chefão da Rocinha tem muito a ganhar com um acordo de delação, mas, conforme o calibre de seus ex-sócios do lado institucional do crime, pode ser eliminado antes mesmo de abrir a boca.
Sabe-se há muito tempo que estruturas como as que funcionam nas comunidades dominadas pelo narcotráfico precisam de apoio eficiente fora da zona do crime, para manter o fluxo de dinheiro e garantir abertos os canais de passagem da “mercadoria”.
Com a determinação demonstrada pelo secretário de Segurança, é muito provável que se consiga convencer o traficante a colaborar com a Justiça em troca de uma pena mais curta e de uma vida normal em algum lugar longe do Rio.
Mas não se vê o mesmo interesse das autoridades e da imprensa pela agenda do sistema de entrega de drogas em domicílio.
Uma das razões desse súbito esquecimento deve ser o cuidado em preservar o usuário contumaz, que, afinal, deve ser tratado com muita complacência, segundo a tese da redução de riscos.
Mas seria um prato cheio para o público conhecer como até mesmo o tráfico de drogas reflete o sistema perverso de distribuição de oportunidades na nossa sociedade: no livro de ouro do tráfico haverão de constar nomes interessantes de políticos, policiais, celebridades, jornalistas e donos de casas de show que costumam oferecer a seus clientes todo tipo de guloseimas.
Melhor não. Melhor manter essa agenda bem guardada no cofre da Secretaria de Segurança.
Observatório na TV*
O Observatório da Imprensa desta semana conversou com Suzana Singer. Jornalista, com mais de 20 anos de profissão, Suzana é ombudsman da Folha de S. Paulo desde abril do ano passado.
Atento a deslizes e maneirismos dos profissionais de jornalismo, o ombudsman exige rigor e deve saber das qualidades e dos defeitos desses profissionais. Esse observador instalado nas redações responsabiliza-se, ou ao menos dá as caras quando uma errata precisa ser feita. Representante “popular” do jornal, o ombudsman é uma espécie de fiscal. Trabalha com carta branca para melhorar a qualidade do jornalismo, se preciso até por meio de denúncias ao próprio veículo.
O ombudsman tornou-se figura conhecida no jornalismo brasileiro, justamente numa inovação da Folha de São Paulo, no ano de 1989. Aberto um canal de comunicação e diálogo com os leitores, aumentou-se o zelo pela crítica e pela reflexão dos conteúdos, além de tornar o leitor, na teoria, um supervisor do trabalho feito em redação.
Para executar esta tarefa, o profissional mais preparado, de certo estará atualizado quanto às mudanças de paradigmas sobre o ofício de ser jornalista. Discussões sobre a regulamentação desse profissional de mídia nos fazem pensar sobre o valor formal e o valor de fato dessa formação, sempre ampla e voltada aos interesses da sociedade.
Entre as tarefas do ombudsman pode-se alinhar também a prospecção do público, a análise da imagem que o jornal constroi entre seus leitores.
Numa conversa com Alberto Dines, Suzana falou sobre a responsabilidade do cargo e sobre seu desafio diário de analisar o conteúdo de um jornal de grande tiragem. Na entrevista também foram debatidos temas ligados à profissão, o panorama do jornalismo atual e suas perspectivas.
Excepcionalmente gravada, esta edição do Observatório da Imprensa vai ao ar nesta terça-feira às 22 horas, pela TV-Brasil, em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky.
*Com Lucas Rodrigues de Campos