A contabilidade do crime
A Folha de S. Paulo traz, nesta terça-feira, dia 2, novas revelações sobre documentos apreendidos com líderes da organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital, que tem sido responsabilizada pelo aumento do número de policiais militares assassinados nos últimos meses.
O material divulgado pelo jornal contém uma espécie de livro-caixa com registros de pagamentos de propina em troca de liberdade para traficantes de drogas, além de informações sobre a suposta participação de policiais militares em assaltos juntamente com integrantes do bando.
Os arquivos apreendidos pela polícia e que já estariam em poder do Ministério Público registram uma rotina de pagamentos sistemáticos para policiais civis, identificando as delegacias onde ocorrem os acertos, além de acordos feitos com PMS para atuarem juntos em assaltos.
O jornal não revela a fonte das informações, mas pode–se supor que o material tem vazado para jornalistas por integrantes do Ministério Público, como forma de evitar a pressão das autoridades do estado, que têm interessem em negar os fatos apontados nos documentos.
A Secretaria da Segurança Pública não se manifestou sobre o assunto, os delegados titulares das regiões onde há suspeita de envolvimento de policiais com a quadrilha dizem ignorar o caso e o comando da Polícia Militar alega que não pode comentar investigações internas.
Procurado pelo jornal, o governador Geraldo Alckmin repete que há muita lenda em torno do poderio do PCC, reforçando a posição oficial de seu secretario da Segurança, que na semana passada contestou a tese de que estaria havendo uma guerra entre a organização criminosa e a Polícia Militar.
Mesmo confrontado com os documentos em poder da Folha, o governador e o secretario se negam a discutir a possibilidade de a polícia de São Paulo estar sendo enfrentada por um grupo organizado.
Os documentos publicados pela Folha mostram que a capital paulista é o principal reduto da quadrilha, com 689 integrantes ativos, mas há grandes concentrações de criminosos organizados também em Campinas e em Santos, e a presença do grupo teria sido documentada até mesmo em cidades pequenas do interior.
A lenda e a verdade
Tudo indica que a fonte da Folha de S. Paulo é o Ministério Público, onde estão sendo classificados e analisados os documentos apreendidos com integrantes da facção criminosa.
Alguns detalhes que o jornal publica nesta terça-feira permitem observar os métodos usados pelos chefes da quadrilha para manter a coesão de seus afiliados.
Quando sofrem extorsão por parte de policiais, por exemplo, eles são obrigados a fazer relatórios detalhando o episódio, para que as perdas sejam devidamente contabilizadas e repostas.
Embora em um ou outro caso haja a possibilidade de que os criminosos inventem histórias de extorsão para justificar desvios de dinheiro da facção, os relatos estão sendo investigados porque indicam a repetição de padrões em determinadas regiões.
O aspecto mais interessante – e preocupante – do material publicado pela Folha é a possibilidade de uma associação consolidada entre os criminosos e policiais corruptos, que aparece sob o registro de pagamentos mensais de propinas em delegacias específicas.
Essa informação pode ser relacionada com o noticiário das últimas semanas sobre o aumento do número de assassinatos de policiais militares.
As ações mais constantes e rigorosas da PM contra criminosos ou suspeitos quebram a acomodação obtida à custa de propina, reduzem os ganhos da quadrilha e produzem mais mortes, tanto nos confrontos quanto nos ataques a policiais – somente neste ano, 73 PMs foram assassinados no estado de São Paulo, a maioria quando estava de folga.
Muito provavelmente, o governador e seu secretario de Segurança têm alguma razão quando afirmam que há “muita lenda” em torno do poderio do chamado Primeiro Comando da Capital.
Mas o levantamento publicado pela Folha de S. Paulo também revela que existe muito de verdade no meio dessa lenda, e os documentos entregues ao Ministério Público contam apenas parte dela.
Por exemplo, quando registra o que seria o patrimônio da facção criminosa, o jornal cita fuzis, pistolas, veículos e imóveis, mas em outras ocasiões a imprensa tem revelado que a organização costuma investir em postos de gasolina, como forma de lavar o dinheiro obtido com o crime.
Analisados no conjunto de informações já publicadas sobre esse grupo criminoso, os documentos revelados agora pela Folha traçam um retrato preocupante que merece a atenção de toda a imprensa.