Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A dialética da crise
>>Radicalismo político

A dialética da crise

A semana chega ao fim sob o signo da retórica.

O conjunto de declarações, frases de efeito e slogans percorre o círculo vicioso da imprensa e termina em discurso improvisado pela presidente da República no Palácio do Planalto.

Estamos ainda em clima eleitoral, com o Congresso Nacional preparando as bases para um ajuste na economia e a mídia alimentando o clima de conflagração que predominou na disputa das urnas.

Como numa versão caricatural da dialética, realidade e discurso evoluem e se contrapõem no ambiente midiático para criar um cenário de crise no campo político.

Assim, a manipulação de declarações, suposições e evidências colhidas seletivamente das investigações sobre desvios da Petrobras alimenta frases e atitudes que têm como objetivo cada vez mais claro contestar o resultado da eleição presidencial.

Se não se pode afirmar que está em curso uma manobra golpista, há sinais visíveis de que se cria em Brasília um contexto nocivo à governabilidade.

O fato de a presidente da República ter vindo a público para pedir respeito ao resultado das urnas e "às escolhas legítimas do povo brasileiro" significa que o governo sentiu o golpe e se reconhece vulnerável ao processo liderado pelo senador Aécio Neves, candidato derrotado ao Planalto.

Curiosamente, a declaração da presidente foi feita durante solenidade em que firmava convênio com outro líder do partido oposicionista, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin.

Configura-se, assim, o fracionamento da oposição em duas frentes, uma das quais, representada por Alckmin e seu pragmatismo, condiciona as idiossincrasias partidárias às regras do jogo democrático.

A outra frente, liderada pelo senador mineiro, alimenta o discurso radical e estimula manifestações de ativistas dispostos a qualquer coisa para fazer valer sua escolha, que foi derrotada nas urnas.

Ainda que separado por décadas e circunstâncias que correspondem a todo um século de História, convém não esquecer o episódio do incêndio do Parlamento alemão, o Reichstag, em Berlim, ato terrorista que deu a Hitler, em 1933, o último argumento para sequestrar o poder.

Radicalismo político

O leitor crítico da imprensa haverá de imaginar, aqui, que o observador foi possuído pela paranoia da conspiração, e teria razão, se tomasse como literal essa referência.

Mas o escritor Klaus Mann já descreveu, no romance biográfico "Mefisto", como uma ideia insana pode seduzir uma grande quantidade de cidadãos comuns insatisfeitos com o cotidiano e pouco providos de consciência política.

É nesse campo que atuam os semeadores da irracionalidade abrigados e remunerados pela mídia tradicional do Brasil.

Até mesmo a suposta anomia do principal partido da oposição, o PSDB, aparece em artigos e editoriais nos últimos dias, o que lembra bastante a circunstância em que se encontrava a socialdemocracia na Alemanha durante a ascensão do nazismo.

Não há no horizonte um risco semelhante, mas o processo brasileiro tem muitas similaridades com a sucessão de fatos que conduziu os alemães ao desastre.

O terreno para o cultivo das insanidades é o mesmo: a falta de educação política de grandes contingentes da população.

Os jornais criticam o PSDB por ter exercido, nos últimos anos, uma atitude pouco aguerrida na contestação ao governo petista.

Alguns analistas apostam em uma aproximação maior entre os principais partidos oposicionistas, PSB e PSDB, tidos como moderados, e alguns atores mais aguerridos, como o bloco liderado pelos deputados Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Jair Bolsonaro (PP-RJ)

O que não se lê no noticiário é o fato de que a pauta do radicalismo político é criada e alimentada pela própria imprensa, no círculo vicioso citado acima.

Ao se referir a esse movimento, ainda que para condená-lo, a presidente da República desce da tribuna simbólica que lhe proporciona o cargo e se mistura à vulgaridade do jogo sujo que corre nas redes sociais e nas páginas da mídia.

Com essa atitude complacente e defensiva, ela aumenta o cacife dos que apostam na crise.

A retórica do golpe era apenas isso: retórica.

A fala da presidente faz girar a engrenagem da dialética e coloca a tese aventureira dos insensatos no núcleo do poder, como queria a imprensa.