Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A guerra do Araguaia, hoje

A guerra do Araguaia, hoje
O repórter Leonencio Nossa, do Estado de S. Paulo, lançou há algumas semanas o livro Mata! O major Curió e as guerrilhas do Araguaia, fruto de dez anos de reportagem e pesquisa. Ele falou ao Observatório da Imprensa.

Leonencio Nossa – Quando eu pensei em escrever esse livro, eu pensei: eu preciso escrever um livro que fale do Araguaia. Não aquele livro que fale o Araguaia sob o ângulo do Rio [de Janeiro], de São Paulo e Brasília, mas um livro que fosse, na verdade, uma história do Brasil contada sob o ângulo do Araguaia. Por isso eu viajei muitas vezes pela região, ouvi garimpeiros, donas de cabaré, barqueiros, pessoas comuns que pudessem dar um relato do que foi a guerrilha do Araguaia e pudessem também dar uma versão de um capítulo dramático da história do Brasil. E era possível colher delas uma história do Brasil e isso, para mim, era o grande desafio.

OI – Como é que você confrontou esses depoimentos e testemunhos com alguma outra coisa que confirmasse as memórias de tanto tempo passado?
L.N. Eu não acredito em uma história que é contada por meio de um arquivo apenas, em uma história que é contada por meio de um relato apenas, de uma testemunha. Por mais importante e por mais destaque que essa pessoa possa ter tido numa determinada história, eu acredito que a história é uma colcha de retalhos mesmo, é um moisaco, é um conjunto de muitas versões. Eu acho que só esse confronto de muitas versões , só esse confronto de versões com muitos documentos oficiais, só esse trabalho, na verdade, vai possibilitar que a gente chegue mais perto do que realmente ocorreu num determinado passado. Então eu acho que a história da guerrilha, que é uma história muito fascinante, mas, ao mesmo tempo, muito incompleta, ela só irá avançar com esses confrontos. Eu acho que ela pode ser contada mesmo a partir de uma centena mesmo, ou milhares de depoimentos.

OI – Leonencio Nossa explica que um de seus objetivos foi mostrar como a violência no Araguaia, no Brasil, não começou durante a ditadura nem acabou depois dela.
L.N. − O que ocorre é o seguinte. Há poucos dias, um professor da Unicamp escreveu que a guerrilha era um episódio específico da Guerra Fria. Eu acho que quando a gente limita o estudo de uma guerrilha do Araguaia, por exemplo, a um determinado período histórico, como foi a Guerra Fria, a gente comete dois erros. O primeiro, ignorar toda aquela violência que existia na região do Araguaia, na época dos castanhais, que os senhores eram, na verdade, todos senhores feudais, que torturavam, que matavam, que decaptavam trabalhadores. E o outro erro é ignorar tudo que ocorreu depois da Guerra Fria na região. O Muro de Berlim foi derrubado em 1989 e Eldorado do Carajás, aquele massacre de sem-terra ocorreu nos anos 1990. Então a violência já existia no Araguaia, ela continua com os militares e ela sem mantém até hoje. Eu procurei investigar bastante a ação do Exército na região, mas eu também procurei entender as raízes desse Exército. A violência que o Exército praticou na região contra moradores, contra guerrilheiros, ela não surgiu do nada; ela não caiu de pára-quedas. Ela faz parte da história do Exército. O que o Exército fez no Araguaia foi o que o Exército fez em Canudos, foi o que o Exército fez no Contestado, e seguiu adiante. A gente tem que olhar essa história como uma história que está em movimento, não como história que passou. Mesmo porque, os comandantes da repressão no Araguaia foram desenvolver as políticas de segurança pública nas grandes cidades brasileiras.

OI Como assim?

L. N. – Homens que estiveram no Araguaia tiveram um papel importante, por exemplo, nas secretarias de segurança pública do Rio de Janeiro, de São Paulo, nos anos 1980 e 1990. Detalhe: políticas de segurança que deram errado.

OI Totalmente.

L.N. – Porque, se você olhar os índices de homicídios, índices de violência nessas duas grande metrópoles brasileiras, você vai ver que tem muitos civis aí que foram mortos. Quando eu ia para o Araguaia, eu tinha essa consciência – de que eu estava indo at´ras de uma história que toda a sociedade brasileira estava vivendo.

Leia aqui outros trechos da entrevista com Leonencio Nossa.