A pauta míope
A imprensa brasileira tem uma pauta padrão para cobrir as denúncias de corrupção, quase sempre iniciada com um vazamento de informação – que tanto pode vir de autoridades policiais, do Ministério Público, como de personagens da política, adversários ou mesmo aliados do denunciado.
Regularmente, a acusação original parte de uma publicação, é ampliada pelos meios eletrônicos ligados às empresas de comunicação mais influentes e ganham repercussão nos jornais, onde são engordadas com novos elementos e realimentam o processo.
O acusado geralmente é apanhado num fogo cruzado que dificulta sua defesa – mesmo quando tem argumentos consistentes a seu favor.
O processo pode ser chamado de bombardeio de saturação.
A regra é não fazer prisioneiros, apesar de seguirem pontificando no ambiente político personagens que passaram praticamente incólumes por esse tiroteio.
O senador Renan Calheiros é um ícone.
O senador Jader Barbalho e outras figuras notórias da política de alianças bem remuneradas, que já foi tido como morto para a vida pública, ressuscitou graças a interpretações ambíguas da Lei da Ficha Limpa.
A rigor, os procedimentos da imprensa não têm produzido alterações nos maus hábitos e nas relações partidárias, seja nos níveis municipais, estaduais ou federal.
Então, se há o pressuposto de que a imprensa trata de corrupção com a intenção de contribuir para estabelecer algum controle sobre os malfeitos, o que é que não está funcionando?
O seminário “Controle social no combate à corrupção”, realizado nesta semana na sede do Correio Braziliense, por iniciativa do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, reuniu profissionais e analistas da mídia para tentar localizar as falhas na cobertura do assunto.
Uma das respostas apresentadas aponta a falta de uma cobertura sistêmica, voltada para a identificação das causas originais das práticas delinquenciais no trato da coisa pública.
Outra ponderação apresentada diz respeito à falta de transparência e controle social nas relações entre interesses públicos e privados, inclusive naquilo que se refere ao funcionamento das próprias empresas de comunicação.
Litigância de má-fé
Um exemplo de como a ausência de controle social ou a não observância das regras para o funcionamento de empresas de comunicação é o não cumprimento das normas para concessão de canais de rádio e televisão.
Nos lugares onde o donatário de emissoras exerce também o poder político, diretamente ou através de prepostos, a tendência é de menor transparência nos negócios públicos, criando-se o ambiente ideal para a corrupção.
Muito comumente, o proprietário dos principais meios eletrônicos também controla a mídia impressa regional e prefere manter a política em mãos leais,
Um desses casos, que chega ao nível da patologia institucional, ocorre no Pará, onde a família Maiorana mantém o jornalista Lúcio Flávio Pinto na condição de refém, com cerca de oitenta processos judiciais que têm como origem a atividade jornalística do profissional independente, considerado até mesmo no exterior como um dos mais importantes cronistas da Amazônia, ao lado do acreano Altino Machado.
Lúcio Flávio não pode se ausentar de Belém, sob o risco de ser julgado à revelia em um desses processos, por algum juiz eventualmente submetido à influência dos donos da mídia local.
A família Maiorana é proprietária do jornal O Liberal, membro da Associação Nacional de Jornais, e da emissora de televisão de mesmo nome, afiliada à Rede Globo.
Isso acontece também em Brasília, em outras proporções, com duas blogueiras do Correio Braziliense que estão cercadas por cinco processos judiciais, abertos contra elas, em foros distintos, por um deputado distrital.
Por trás desses episódios há comumente casos de corrupção relatados pelos jornalistas, na maioria das vezes com a simples reprodução de peças judiciais de amplo conhecimento público.
Em quase todos eles, os réus revertem o papel na Justiça, processando o jornalista e praticando ostensivamente a litigância de má-fé, sem que a Ordem dos Advogados do Brasil, sempre tão pronta a manifestos contra a corrupção, se digne a averiguar essas irregularidades na prática do Direito.
A chamada grande imprensa do Sudeste também não toma conhecimento desses aspectos grotescos da corrupção.
Certamente conta pontos negativos para a realização dessas pautas o fato de que, em muitos casos, o objeto de reportagens do jornalista independente tem relações de interesses mútuos com os coronéis da mídia.